A arte repousa sobre a mesa e a autora está ali mesmo. A renda foi tecida de modo quase despretensioso, o manejar paciente dos bilros na almofada, a troca dos alfinetes sobre o cartão. Para a rendeira, o sentimento prazeroso de apreciar a peça começa ao imaginá-la e flui naturalmente no desenvolvimento de sua confecção. Uma cena comum, na simplicidade de muitas casas comuns de cidades nordestinas. Sim! Não estamos falando daqueles grandes salões de alguma associação e do trabalho coletivo institucionalizado que tenta preservar uma tradição, ao mesmo tempo em que, em sintonia com os tempos atuais, pretende que esse trabalho seja visto muito além de sua comunidade, até de seu país, encorpando possibilidades de ganho financeiro digno e legítimo para quem o executa. Nosso recorte é mais ancestral. Do tempo em que essa era uma atividade essencialmente doméstica, destinada ao adorno do próprio lar. Uma ou outra pessoa comercializava o produto, às vezes apenas para atender alguém ali de perto mesmo, que não tinha a prática ou tinha outra razão para não fazer.
Assim era também com os bordados a mão. Os tecidos podiam ser de puro linho ou podiam ser simples malhas de algodão aproveitados de sacos que, antes, embalara algum cereal. Fixado pelos bastidores, instrumentos de madeira em formato de aro, aos poucos transformavam-se, com linhas e agulhas manejadas por delicadas mãos, em lindas guarnições de cama, mesa ou outro mobiliário qualquer; em elegantes toalhas de banho e de rosto; em detalhes de vestidos, blusas e camisas, e até na prosaica sacola de pão. Resultado de dias e sobretudo noites de uma atividade que não distinguia entre trabalho e lazer, acompanhado, às vezes, pelo olhar curioso das filhas pequenas que dali a pouco dariam continuidade à tradição.
Tudo isso pode, agora, ser feito em série, por técnicas industriais. Máquinas podem fazer com incrível velocidade, na quantidade assimilada pelo mercado consumidor, os trançados que consumiam dias para ficar pronto um único exemplar. Os bordados, nesse tipo de produção, guardam a lembrança do passado no emprego dos bastidores que agora dançam em ritmo automatizado em bancadas que liberam grande quantidade de peças por vez, todas iguais. É o que faz a indústria de confecções.
Tudo isso, por um lado, valorizou as peças artesanais, que são únicas em plasticidade e significado. Em outra perspectiva, extinguiu-se uma cultura que bem poderia ser útil nesses tempos atuais, caracterizados pela ansiedade. Hábitos que exercitavam a paciência e a transformavam em encantamento para os olhos e para o coração.