CRÔNICA

MUROS BAIXOS

“Muro baixo” era expressão usada popularmente com conotação pejorativa: cidade de muro baixo, terra de muro baixo. Mas poderia recordar hoje os tempos em que, tirando a preocupação noturna com o lobisomem e a mula-sem-cabeça, nada sobressaltava a vida do morador comum de nossas cidades comuns. O muro com essas dimensões era característico da maioria das construções, de naturezas e finalidades diversas.

Por exemplo, o muro do Colégio Estadual Jerônimo Rosado, mais conhecido à época como Instituto de Educação, com quase nada mais que um metro de altura, era um convite para os alunos saltarem, para dentro ou para fora, desprezando o transitar natural pelos portões. Ainda mais que suas largas paredes possibilitavam alguém sentar-se sobre elas e passar as pernas de um lado para o outro, prática desprezada por quem queria ou precisava exibir habilidade e destreza, mas que permitia a proeza aos, digamos, menos atletas. Não havia praticamente risco, exceto o de ser flagrado pelos fiscais da escola, o que renderia uma advertência ou, dependendo da reincidência ou da folha corrida do “elemento”, uma suspensão. Assim eram todas as outras escolas: Padre Dehon, no Alto de São Manoel, Moreira Dias, no Doze Anos, Dix-sept Rosado, no Bom Jardim, Cunha da Mota, nas fronteiras de Paredões e Bom Jardim, Cônego Estevam Dantas, ao lado da Igreja do Alto da Conceição. Algumas não tinham sequer muros, como a Antonio Gomes, nos Paredões.

Também assim eram as residências, como pode ser visto em fotos antigas de qualquer uma de nossas cidades. O muro não ia muito além da cintura de pessoa de estatura mediana, isso quando havia, porque nos bairros a maioria das casas tinha a porta no limite junto à calçada e o terreno lateral era separado da rua por meras cercas de varas. Dos estabelecimentos comerciais nem se fala. Ficavam todos de portas abertas diretamente para a via pública, especialmente as bodegas. Aliás, o tributo cobrado pelas prefeituras municipais, equivalente ao atual ISS, era justamente denominado Imposto de Portas Abertas. Muro alto só de cadeia, campos de futebol e seminário de padres. Mesmo assim havia quem os pulasse, especialmente os do velho estádio da Liga Desportiva Mossoroense, na Rua Benjamim Constant.

Muros altos são icônicos como representação de medo e exclusão. Na política mundial já foram erguidos, derrubados e reconstruídos. E mais que em pedra e alvenaria, eles tomam formas mais altas na intolerância e outras formas que só serão vencidas quando em vez cidades de muro baixo tenhamos a sabedoria de construir um mundo de muro baixo.

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