“Quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé”. Os versos de Estrada de Canindé, clássico de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, interpretado pelo “Rei do Baião”, é um recorte da vida das cidades brasileiras, especialmente do Norte e Nordeste, predominante até, pelo menos, a década de 1970. Na canção, andar a pé era uma forma de apreciar e beneficiar-se da natureza, de sua beleza entrando pelos olhos, de suas fragrâncias perfundindo a alma, do seu frescor molhando os pés. Era tudo isso mesmo e era também hábito com fulcro na necessidade.
Em Mossoró, as distâncias não tão longas, à época, entre os extremos dos bairros e o centro da cidade, percurso mais comum da rotina de então, assim como a planura da topografia, diferente de cidades como Natal, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo, por exemplo, facilitavam esse deslocamento pedestre. Porém não só os residentes na zona urbana eram obrigados a essas caminhadas. Elas se impunham, ainda mais, aos habitantes da área rural, que se por vezes recorriam ao adjutório providencial do jumentinho ou até da carroça puxada por esses muares, não raro valiam-se exclusivamente das pernas para essas tiradas. Por outro lado, caminhar sob a temperatura incisiva de semiárido a quatro graus de latitude abaixo da Linha do Equador não é fácil para qualquer caminhante. Mas os mossoroenses nunca se impressionaram com isso. Como está no hino do centenário, de autoria do Professor José Fernandes Vidal, “a cruel gleba domaram e fluíram seu valor” até nessa necessidade.
Os meios de transporte da era industrial foram se introduzindo devagar, mas por alguma razão, cuja análise não cabe nesse espaço, a cidade nunca teve uma tradição do transporte coletivo. Linhas de ônibus existiram, desde os tempos em que o cobrador percorria o interior do veículo com uma sacola pendurada no antebraço e cédulas de pequenos valores dobradas longitudinalmente, presas entre os dedos das mãos para facilitar o troco, abordando um a um os passageiros com o clássico “faz favor!”. Mas a população continuou andando a pé ou aderiu à bicicleta a ponto de a cidade ficar conhecida pelo número desses transportes, que segundo o escritor Eça de Queiroz é o único veículo a tração animal em que o animal que puxa vai sentado. De certa forma, uma extensão um pouco mais rápida do andar a pé.
Esse tempo se foi, junto com uma cidade menos poluída, menos ruidosa, menos perigosa, que não precisava de semáforos. Saudosismo? Sim! Mas pode também ser oportunidade para pensar em novas soluções para as cidades no mundo todo, tão carentes do que se chama qualidade de vida.