ARTIGO

O espelho da Rainha Grimhilde

Por: PROFESSOR FRANCISCO CARLOS

A Rainha Grimhilde olhava para o espelho para contemplar sua beleza de forma vaidosa e obsessiva. Não havia e nem poderia haver pessoa tão nobre e bela. A rainha, para qual nada poderia ser diferente da sua versão de ideal de mundo, é alegoria para desnudar aqueles que, com ar de menosprezo, se referem aos outros usando a expressão “essa gente”.

Nesse contexto, a expressão “essa gente” está carregada de pretensa, porém inexistente, superioridade moral. Ao usá-la, o emissor revela postura de suprema arrogância em relação a quem está do “lado de lá”. Assim, vinte anos da política do “nós contra eles”, muito além da divisão de grupos adversários de ocasião, está provocando fissuras profundas no conjunto no povo brasileiro, que divide as pessoas em grupos que possuem uma visão super idealizada de si mesmos.

A Rainha Grimhilde dos tempos modernos exercita sem culpa a super autoestima que distorce a autoimagem e a própria realidade, produzindo uma visão de superioridade sobre pessoas e grupos antagônicos. Não se trata da beleza exterior, o indivíduo se imagina mais humano, honesto e intelectualmente preparado, ante a um adversário desumano, embrutecido e incapaz de pensar e agir com racionalidade e empatia. O inferno são os outros, resumiria.

Que espelho as modernas rainhas Grimhilde estão usando?

Se os irmãos Griimm pudessem atualizar os contos publicados entre os anos de 1812 e 1822, certamente recorreriam as mídias sociais para representar os espelhos das modernas Grimhildes, fartamente utilizadas para distorcer a autoimagem. Especialistas modernos logo caracterizariam essa dismorfia corporal como um transtorno em que o indivíduo se enxerga diferente da realidade.

As mesmas mídias também têm promovido e reforçado a retórica política daqueles que distorcem e superestimam suas qualidades subjetivas e os “bons propósitos” do seu partido de estimação, ao mesmo tempo que desumanizam os adversários. Diferente do espelho da rainha, único e mágico, as mídias são tão fáceis de acessar que cada uma tem o seu próprio espelho e podem configura-las do jeito que desejarem.

Escrever para e interagir com “seus semelhantes” (sua bolha) reforça essa imagem distorcida de si mesmo e do grupo do qual faz parte. Permanecer dentro da bolha é recurso para garantir que o espelho mágico permanecerá intacto.

Para percebemos a nós mesmos como de fato somos, precisamos sair da bolha, usando um espelho simples, ao invés de um espelho mágico. Facilmente perceberemos que, pelo menos na média, somos iguais aos outros.


Francisco Carlos é professor de Economia na Uern, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e doutor em Administração. Na Câmara Municipal de Mossoró, ocupando a presidência da Comissão de Educação e atua em pautas relacionadas a economia, cultura, saúde e meio ambiente, entre outras. Sua paixão pela natureza o levou a explorar a jardinagem como estilo de vida, reforçando seu compromisso com o meio ambiente.

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