Teremos que esperar trinta anos? II Parte
Conclui o último texto levantando uma questão sobre a sucessão presidencial em 2022 e 2026. Não irei me deter nessa segunda parte a candidaturas do campo progressista, mas às posturas adotadas por políticos e partidos de oposição desse campo.
A curta duração entre o fim da ditadura militar (1985) e o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (2016) foi marcada dentre os vários embates políticos, econômicos e ideológicos, pela polarização em torno do papel do Estado na economia e a defesa das riquezas naturais e recursos minerais do País. Podemos citar alguns exemplos que marcaram essa polarização: o petróleo e a Petrobras que sempre estiveram no centro das discussões todas as vezes que se falavam em redução do Estado e privatizações, a flexibilização das leis trabalhistas – que agora é real, não existe mais proteção à classe trabalhadora -, e a previdência pública caracterizada pela repartição e o pacto solidário, e sempre foi apresentada como “patrimônio” do povo brasileiro, uma das maiores conquistas da Constituição Cidadã, dentre outros temas importantes para o País.
Temas caros quando se trata de qual modelo de país queremos. Qual o melhor para o Brasil, o modelo capitalista, com Estado mínimo, ampla atuação e liberdade empresarial sustentado no livre mercado sem intervenção do Estado, representado pelo neoliberalismo ou modelo capitalista, mas que trabalha na perspectiva de reduzir os efeitos predatórios desse sistema utilizando-se de intervenções econômicos e sociais do Estado no sentido de preservar as liberdades civis, os direitos de propriedade e a democracia representativa, além de manter um regime de pleno emprego e renda para os(as) trabalhadores(as), representado pela social-democracia? E não estou colocando aqui para reflexão o socialismo marxista ou comunismo como prefere definir os apoiadores do governo Bolsonaro.
Por que levanto essa problematização?
Primeiro, pela mudança de trajetória que tomou setores da esquerda brasileira, em especial o PT no final dos anos de 1990 e início dos anos 2000. Representante mais forte da oposição após o fim da ditadura militar, o Partido dos Trabalhadores, vinha de três derrotas consecutivas em eleições presidenciais, seu perfil à esquerda não agradava ao mercado, nem a potenciais aliados de centro. Ou muda ou será um eterno perdedor. A mudança tem um preço, rasgar seus princípios, sua história e várias consequências, dentre elas a debandada de centenas de lideranças que não concordaram com a nova trajetória.
Abriu-se mão de um projeto de sociedade por um projeto de poder e para se chegar ao poder, para uns, vale tudo, inclusive mudar o discurso sobre redução do Estado e privatização, flexibilização das leis trabalhistas e reforma da previdência.
Não é difícil comprovar a guinada do PT, é só reler a Carta ao Povo Brasileiro, datada de 22 de junho de 2002, onde em vários trechos o então candidato Lula da Silva afirma que “Parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o País”. A famosa conciliação de classes defendida por muitos, inclusive por mim.
Ainda afirmou em sua carta a necessidade de uma ampla negociação nacional que devia conduzir a uma “autêntica aliança pelo País, a um novo contrato social”. Aí foi onde entrou a proposta da reforma da previdência e trabalhista que atendeu ao mercado em troca dos programas sociais.
Segundo, pela atualização do discurso desses mesmos segmentos em torno dessas temáticas, agora em forma de silêncio. Privatização, Petróleo – agora é Pré-sal -, Petrobras, Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista foram pautados na campanha presidencial e continuaram depois da posse de Jair Bolsonaro.
Por que afirmo que o discurso desses segmentos está em forma de silêncio?
Excetuando-se alguns partidos e/ou correntes dentro de outros, o silêncio é ensurdecedor. A crise que afeta o País nos últimos anos contribuiu para expor a quebradeira dos estados brasileiros causadas, dentre outras coisas, por má gestão do dinheiro público, corrupção e altos gastos com salários e regalias de servidores do alto escalão dos três poderes em detrimento dos demais servidores e da população que paga alto impostos e lhes falta o básico para viver com dignidade que é educação, saúde, segurança, transporte, dentre outros serviços de responsabilidade do estado.
Diante do exposto, porque falo de discurso em forma de silêncio?
Porque não vi, não escutei, nem li de forma consistente e convencedora nenhuma fala nem ação se posicionando contrária ao que foi exposto acima.
O que vi e presencio: espera dos recursos do Pré-sal para “resolver” parte dos problemas dos estados quebrados, inserção dos estados na reforma da previdência, aumento do numero de servidores terceirizados, contratação de professores substitutos e temporários ao invés de concurso para efetivos, continuidade de privilégios para castas de servidores.
Reconheço os avanços nos governos petistas, mas admito que a conciliação de classes no Brasil foi e continuará sendo uma proposta desfavorável à classe trabalhadora. A burguesia brasileira não admite a ascensão social da classe trabalhadora.
E para finalizar, dezessete anos depois da carta ao povo brasileiro, o que vejo?
O discurso de construção de um “Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos”, e um convite para “todos os que querem o bem do Brasil a se unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis”.
Essa frase faz parte da Carta ao Povo Brasileiro, escrita por Lula da Silva, mas se não cito a fonte, poderia ser interpretada como parte do programa conservador e neoliberal de Jair Bolsonaro.