CRÔNICA

OS GRANDES BINGOS

Espalhou-se como onda pelo Brasil dos anos 1960, principalmente em cidades médias, um tipo de jogatina que atraia jogadores pela possibilidade de ganhar prêmios valorosos com pequeno “investimento” e pela emoção do modo direto de participar do sorteio. Nesse modelo, de 15 a 20 minutos se passam entre a chamada do primeiro e último número, do conjunto de números que define o ganhador, o que prolonga a expectativa e molda a reação do participante à medida em que prossegue. Eram, assim, os bingos, mistura de vontade de ganhar com a concretude do divertimento imediato.

Juntavam multidões em praças públicas. Em Mossoró aconteciam geralmente na Pça. Cônego Estêvam Dantas ou D. João Costa, nas noites de sábados ou tardes de domingos. Um público heterogêneo, especialmente em idade e sexo, mas predominantemente de classe média, que dispunha do dinheiro para concorrer e sonhava em ter um automóvel, um bem não tão popular no Brasil de então, com uma indústria automobilística insipiente. Geralmente eram jeeps da marca Willis (hoje inexistente) ou fuscas, apelido definitivo dos carrinhos da VolksWagen com motor traseiro.

Em meio à festa que tomava conta da praça, vendedores de comida pronta e velhinhos com cadeiras e almofadas trazidas de casa para algum conforto durante o acontecimento. Eram frequentes eventuais cenas perigosas ou engraçadas. Entre os riscos, aquele comum a toda multidão em que todos e principalmente pessoas mais frágeis, podem se ver em apuros pelo simples fato de estar no meio da massa humana. Quando brigas e alvoroços ocorriam até aqueles cuja condição física demandava a cadeira e almofada trazidas achavam improvável agilidade para saltar sobre o fogareiro em que o vendedor assava milho, até perceber a coisa sob controle e o cenário anterior restabelecido. Mas o que não faltava ao lado lúdico era a colaboração dos desatentos que ora marcavam um número não chamado e se apresentavam à mesa que conduzia o processo como ganhadores que de fato não eram, ora esqueciam de marcar um número chamado e perdiam a vez de reivindicar o prêmio, o popular “passar batido”. Os primeiros eram os de quem a turma geral mais gostava e era saudado com sonora vaia quando o locutor anunciava que o número tal não havia sido chamado.

O jogo mesmo oficialmente proibido, portanto, contravenção, ainda ocorre. Uma versão atual operada por computadores, em que os jogadores acompanham à distância, é autorizada sob a forma de título de capitalização em que a devolução do capital investido é revertida para instituição filantrópica. Melhor assim, pelo menos.

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