CRÔNICA

OS DIAS DE CHUVA

Por aqui os passarinhos são quem mais sabe que tempo bom pode ser um dia de sol, como no manual dos meteorologistas ou dia de chuva, dia de céu bonito na expressão do sertanejo. Mas, tempo bom mesmo é a alternância do tempo. O pingo da chuva de ontem refletindo o sol de hoje e brincando ao vento, lembra o poeta em versos hoje fora de moda.

Quem observa agora os transtornos que causa à cidade uma chuva de 40 milímetros não imagina como nossas largas ruas de areia suportavam o “aguaceiro” de várias horas, correndo no seu chão e pelos riachos, caminhos que cada bairro conhecia, dessas águas em direção ao rio. Depois, remanesciam aqui e ali as poças, espelhos que transportavam o céu para o chão, lembrando de novo o poeta popular dos versos como não mais se faz.

Os dias de chuva tinham a imagem e a sensação do aconchego. O som no telhado, entrecortado pelos trovões, um susto que em função da diferença entre as velocidades do som e da luz, chegava atrasado em relação ao perigo real dos raios. Raios que não caiam aqui, talvez porque se ignorava essa possibilidade ante a alegria dos grossos pingos batendo livremente no rosto e em toda o corpo, enquanto se corria pelas ruas entregues nesse momento somente à festa das águas. Depois que as nuvens se acalmavam, a brisa soprando conduzia suavemente as gotículas que pairavam no ar. Após o presente que era a chuva em si, a água abençoada que renovava os rios, que antecipava a visão das safras de milho e feijão verde, que enchiam nossos reservatórios, inclusive nossas providenciais cisternas, recebíamos agora de brinde, de bônus, aquele fim de tarde e início de noite de clima ameno que suavizava também o espírito, abrandava o tom da fala das pessoas e até ia bem com algo para esquentar um pouco (imagine!), um vinho ou um simples café.

As ruas se estreitaram no adensamento de construções necessário à viabilidade econômica dos projetos. Ganharam asfalto. Foi-se a poeira e veio o fumo e fuligem dos escapes de automóveis. Trocou-se o pó da terra, que não era sadio, pelo monóxido de carbono que sufoca. O solo das ruas já não absorve naturalmente a água que também não encontra o caminho natural dos riachos, aterrados para dar lugar a casas.  Casas que também avançaram pelas bacias dos rios, tudo pela necessidade de morar em cidades que crescem enquanto fazem crescer a pobreza e a distância entre o poder econômicos de seus habitantes. E a chuva invade e destrói.

Que em sua volta, as chuvas encontrem cidades aptas a recebê-las. E os dias de chuva sejam o que devem sempre ser: tempo bom.

Notícias semelhantes
Comentários
Loading...
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support