Crônica

O CALDO DE CANA DE ARICHÔ

Arichô foi batizado como Antonio. Por ser filho de Seu Alípio ficou conhecido por Antonio de Alípio. Um dia, contou uma história sobre um encontro casual com um estrangeiro, um alemão, mais precisamente. O sujeito olhou para ele e falou um alemão que certamente só o alemão daquela história falava: Arichô, arichim, arichô! Ele olhou o camarada e respondeu: Arichô, meu prezado! Aí, não tinha jeito mesmo. Depois de uma história ou estória dessas tinha que virar Arichô. E virou.

O Caldo de Cana de Arichô ficava no mercado central, ou mercado velho, exatamente na sua alameda central. Era um dos vários pontos de referência naquele centro comercial. Seria também um dos mais conhecidos caldos de cana da cidade. Depois viria, na Mário Negócio, o de Matias, que chegou a trabalhar com Arichô no mercado. Apesar de no imaginário popular ser um clássico o “caldo de cana com pão doce”, em Mossoró a dupla sempre foi o “caldo de cana com pastel”.

O ruído característico da moenda, juntando-se ao barulho permanente e nada desprezível do mercado, tornava-se suportável pela expectativa da iminente degustação do caldo de uma cana caiana especial, com a doçura que define como paradoxal um paladar que a troca por uma cola qualquer. Contribuindo para o caos auditivo, a conversa em voz alta (não seria escutado se não fosse assim) de Arichô, ele que era um conversador natural e grande gozador.

Uma jarra grande, de ágata, aparava a garapa jorrada na prensagem da cana. Nela, na jarra, o gelo em cubos era colocado antes. Era misturar, balançar uma única vez e o caldo se tornar, num átimo, geladinho sem perder infinitésima parte de seu indescritível sabor, ainda mais no meio de uma tarde tipicamente ensolarada como aquela que temos na maior parte do ano.

O mercado velho de Mossoró mudou totalmente. Poderia ser uma atração para população local e até turística, como o são antigos mercados centrais de cidades como São Paulo e Belo Horizonte, para ficar em dois exemplos significantes, com sua enorme variedade de artigos, especialmente alimentos, prontos ou para serem preparados, frutas, verduras, carnes, pães, queijos, vinhos. Na falta disso tudo, resta-nos a lembrança de um caldo de cana geladinho, servido naquele copo dito americano, no rebuliço daquele ambiente onde possíveis diferenças sociais ou econômicas entre os que ali frequentavam perdiam a importância, ou pelo menos a importância imaginada por mentes estranhas ao essencial. É lembrar, olhar em torno, na rua, para o passante que nunca conheceu o caldo de cana de Antonio e gritar, sabendo que o outro nada vai entender: Arichô, meu prezado!

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