Crônica

EMPATIA

Hora da partida. A viagem será para um lugar distante onde a pessoa que parte ficará por muito tempo ou talvez definitivamente. Hora da despedida e todos, os que vão e os que ficam, olham para um lado e para outro procurando o modo, o tempo, a palavra adequada, o último gesto a última palavra. As presenças no interior da casa não se limitam a seus moradores. Amigos lá estão e, também, alguns vizinhos. Outros vizinhos espiam das janelas ou vêm para a calçada, para a rua ou até a porta da casa que se despede.

Curiosidade. Bisbilhotice. É o que provavelmente se dirá agora sobre um ajuntamento assim, congraçamento de pessoas cuja proximidade pode limitar-se ao detalhe aleatório do endereço. Tem disso, certamente. Mas, pode-se dizer que tem, também, o que se chama de empatia. Sentir o que o outro sente. Colocar-se no lugar do outro. Mostrar-se solidário por meio de sentimentos, palavras e presença.

As coisas eram assim. Em nossas pequenas cidades e nas maiores também. Não precisava fechar a porta para a conversa não vazar, porque elas eram gritadas, de uma casa para outra ou no meio da rua. Não é que os segredos não existissem. Pelo contrário. Mas, os segredos tinham sua essência. O mérito de ser algo especial. Não se colocava a mão na frente da boca, pelo risco de leitura labial, para se falar uma tolice qualquer.

O formalismo importado de outras culturas, que morre de medo de parecer piegas, medo de parecer quem é, redundou em certa indiferença, comum nesses tempos em que jamais se escutou tanto discurso sobre respeito, dignidade, comprometimento social, que mais enaltece quem fala do que se identifica com o outro. Importam os princípios, mas há certo embaçamento dificultando a percepção sobre onde esses princípios encontram as pessoas. Na prática prevalece a ideia do cada um no seu canto, “no seu quadrado”.

A resistência que pode salvar a alma brasileira ainda é encontrada em algumas cidades de nosso universo interiorano. A insistência em colocar a cadeira na calçada, na boca da noite. O embate com a tendência à massificação de costumes impostos por modismos. O movimento contrário à necessidade de parecer importante para quem não importa.

O ser humano é único na sua capacidade de desobedecer. Ouvi do meu neto. A desobediência aliada à razão, ao bom senso, será fundamental para se contrapor à imposição sutil que vem de todos os lados e de diferentes formas distorcendo conceitos essenciais ao modo autenticamente brasileiro de conviver, que explica, na prática, o que é empatia.

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