A APURAÇÃO
A contagem dos votos era o último momento de emocionante expectativa relativo àquela campanha eleitoral.
Eram, pelo menos, três dias de atenções voltadas exclusivamente para um mesmo assunto. Isso quando as eleições eram apenas municipais. População menor e, portanto, número menor de eleitores, época em que pessoas analfabetas não votavam e militares só tinham esse direito a partir de determinada patente. A contagem dos votos, ou a “apuração”, como se dizia, se fazia manualmente, um a um, sob os olhos de um juiz e, sobretudo, dos representantes dos partidos, mais dispostos a questionar do que zagueiro de futebol diante da marcação de um pênalti. Enquanto isso, o pessoal montava plantão ao pé do rádio, mas se não podia de alguma forma desincumbir-se totalmente de algum afazer, deixa o aparelho ligado, altura do som elevada, a uma distância garantida para ouvir a sirene que servia de vinheta para anunciar que o resultado de mais uma urna estava concluído e iria ser divulgado.
A sirene era mesma para qualquer emissora de rádio. Ou melhor, era igual para a Rádio Difusora e a Rádio Tapuio, as únicas existentes na cidade de Mossoró, então. O que não era igual era a contabilização geral dos votos. Isso porque cada uma adiantava ou atrasava a divulgação relativa a determinada seção eleitoral, conforme a contagem até aquela urna apresentasse vantagem ou desvantagem, no geral, para os candidatos ligados a cada uma delas. Sabia-se, lógico, que ao final não haveria como fugir da decisão majoritária dos eleitores, mas era preciso manter a moral da tropa e mostrar, ou pelo menos parecer, que se estava vencendo até ali era considerado fundamental.
A contagem dos votos era o último momento de emocionante expectativa relativo àquela campanha, findo o qual restava a alegria passageira para os eleitores do partido bem-sucedido e para os derrotados a expectativa do próximo pleito eleitoral, não sem uma pontada de mágoa com a traição de alguém ou a lamentação de um fato a que se atribuía importância para a derrota.
Fatores que abreviaram a “apuração”, sobretudo a digitalização, eliminaram essa experiência que fazia parte do processo. Novas gerações não saberão o que ela significava para os apaixonados por eleições e por cada lado da disputa. A aceleração cardíaca ao apito da sirene, o primeiro voto apurado, na primeira urna aberta, o resultado na seção onde havia votado, o riso solto ao ouvir o número de votos de seu candidato, o dobro do adversário, em determinada seção, a decepção se o vitorioso era o adversário. Tudo substituído por uma informação curta e seca, de um indiferente computador.
