CRÔNICA

A TURMA DA ESQUINA

Cada rua tinha um ou mais de um desses locais que os moradores da área elegiam para o encontro e o exercício do ócio. Imaginar que alguma criatividade resultasse do papo furado que ali decorria já seria por si só um tipo de trabalho e não era a disposição para trabalhar que levava gente para lá. O objetivo era jogar conversa fora, a conversa dita fiada. Uma bodega, um bar, uma árvore, um poste, uma praça. Geralmente uma esquina ou próximo. As circunstâncias determinavam se os reunidos ficavam de pé ou podiam sentar-se. Em alguns lugares havia cadeiras, tamborete, banco, mas, uma pedra também servia de assento e o que fora o tronco de uma árvore, posto transversalmente no chão virava um banco. Se o local fosse um bar, poderia ter uma sinuca a qual seria a causa do ajuntamento de pessoas naquele espaço ou consequência, isto é, pensada como forma de negócio após o lugar ter se estabelecido como ponto de encontro.

Era uma assembleia permanente com funcionamento diário suspenso somente altas horas para ser retomado no começo da manhã. A chegada de pelo menos dois dos habituais frequentadores já dava o quórum necessário. Mas alguns horários eram especiais nessa confraria, como fins de tardes e especialmente início de noites, quando os que tinham ocupação habitual durante o dia, ou seja, gente que trabalhava, se juntava aos outros, desempregados ou desocupados por convicção.

Por natureza, esse tipo de reunião não tinha pauta. Qualquer assunto era admitido nessa universidade de especialistas em nada. Do pessimismo filosófico de Schopenhauer aos xingamentos engraçadas com que o doidinho da área contemplava aqueles que se arriscavam a mexer com ele. Futebol, música e cinema são da lista genérica de temas, variando com os grupos o tipo de música ou de cinema.

Fato característico desses locais era a contação de piadas e, nesse item, tornavam-se conhecidos tanto aquele da piada sem graça, antiga, recontada e que mesmo assim causava riso (não a piada, mas o contador), quanto aquele com certa habilidade para “interpretar” a história, assumindo trejeitos de ator, a esquina por um instante transformada em um esboço de teatro, com uma plateia a aplaudir pelo riso aquela figura, que por isso não tinha direito a glória maior do que se tornar conhecida como a “mais gaiata” das redondezas.

Curiosamente, com o esvaziamento das esquinas muitas dessas figuras foram reclassificadas como humoristas, promovidas a canastrões na internet, onde não se consegue distinguir humor de gaiatice.

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