Entrevista

Conversa da Semana com Galileu Galilei Serafim

O mossoroense Galileu Galilei Serafim de Oliveira, de 27 anos de idade, estudante de Medicina na Slovak Medical University, em Bratislava, capital da Eslováquia. Ele contou ao Portal do RN quais foram as medidas adotadas pelo governo local para evitar que o coronavírus fosse controlado no país. Mesmo localizada na Europa, a Eslováquia tem um número pequeno de casos de contaminação pela doença e um dos menores índices de mortalidade do mundo. Veja nessa entrevista, que medidas foram essas e como a população reagiu às orientações e determinações governamentais.

Por Márcio Alexandre

As medidas soam austeras, porém um mal necessário e que tem tornado a Eslováquia um dos países europeus com menos números de casos e de mortos.

PORTAL DO RN – Como tem sido a rotina na Eslováquia depois que o coronavírus se tornou uma pandemia?

GALILEU GALILEI – Na segunda semana de março, após chegar ao hospital de pediatria para mais um dia comum de internato, fomos informados pelo tutor que nos acompanharia o necessário cancelamento da aula por motivos de segurança sanitária. Desde então, as medidas de restrições foram intensificadas, e as rotinas comuns encontradas no cenário invariavelmente bucólico da Eslováquia foram aos poucos visivelmente desertificando as ruas. As lojas comerciais não essenciais foram fechadas temporariamente pelo governo, sendo autorizada somente a abertura de farmácias, supermercados, drogarias, hospitais e lojas de produtos veterinários. Além disso, o distanciamento social; o uso de máscara obrigatório em vias públicas; a restrição do número de pessoas dentro dos estabelecimentos é medida obrigatória e sujeita a multa de até 1.650 euros, caso haja descumprimento de qualquer uma das normas presentes, aproximadamente 9.418,84 reais no câmbio de 08/04/2020.

A Eslováquia é um país em que a maioria da população é cristã, por isso a Páscoa é um feriado importante e de reunião familiar. No entanto, o governo restringiu ainda mais a população a permanecer dentro do distrito de residência até o dia 13/04/2020, com algumas poucas exceções. As medidas soam austeras, porém um mal necessário e que tem tornado a Eslováquia um dos países europeus com menos números de casos e de mortos. A entrada no país só é permitida aos cidadãos eslovacos ou aos estrangeiros que tenham residência no país.

PRN – Como tem sido feito o controle das pessoas que chegam ao país?

GG – Consoante a obrigação da quarentena, todas as pessoas que entrem no território eslovaco são enviadas a locais destinados especificamente ao teste de SARS-COV-2(vírus causador da COVID-19), devendo permanecer dentro desses lugares até o resultado do exame. Caso o resultado seja negativo, então devem permanecer dentro de suas residências por mais 14 dias.

PRN – As aulas ainda estão suspensas?

GG – Sim. As universidades ainda não retornaram as aulas e estamos aguardando reuniões para decisões de outras medidas de continuar nossa formação. Se houver necessidade, os estudantes estrangeiros de Medicina serão também recrutados, pois há uma falta de staff profissional, devido a alta demanda.

PRN – Com todo esse cenário, o que tem sido mais difícil?

GG – A minha personalidade é introspectiva, então contribui para a questão de o isolamento social não ser tão difícil. Durante 2 anos e 4 meses morei na Rússia, então foi uma experiência essencial para me ajudar a viver a dada vicissitude. Estar presente na vida de alguém vai muito além do contato físico e da presença geográfica, torna-se algo reflexivo. A minha maior preocupação hoje é com minha família no Brasil e em outras partes da Europa, como também amigos próximos que moram no Brasil e em outras partes do mundo. Todos os dias me preocupo em cultivá-los e dá-los a certeza que estou aqui para dá suporte emocional, então assim conseguimos vencer dia após dia a situação atual.

PRN – Como tem sido o isolamento social?

GG – Os dias variam muito, mesmo com a restrição de movimentação geográfica. Há dias em que eu consigo estudar com muito rendimento, ler, escrever, fazer a rotina do meu apartamento, conversar com amigos pelas redes sociais e aproveitar prazeres simples, como, por exemplo cozinhar e tomar um vinho. No entanto, há dias em que a procrastinação se faz presente de maneira atroz, por isso não tenho inclinação para fazer nada considerado produtivo. E, ainda assim, está tudo bem. O cenário é, pois, algo novo e a as minhas maiores prioridades momentâneas são manter minha saúde física e mental.

Os veículos de informações devem ser claros, verdadeiros e focar no bem comum.

PRN – Qual a sua perspectiva sobre a atuação da imprensa na cobertura dos fatos relacionados à pandemia do coronavírus?

GG – A imprensa é essencial para veicular informações. Soa clichê, mas muitas pessoas ainda não entendem o quanto é importante uma imprensa livre e democrática em momentos como o cenário atual. Não acredito em imparcialidade, mas em balanceamento de ideias e pontos comuns. Os veículos de informações devem ser claros, verdadeiros e focar no bem comum. A imprensa é o diálogo indireto entre os acontecimentos e a sociedade, porém o impacto da informação é diretamente transformador.

PRN – Como tem visto a atuação das autoridades?

GG – Na Eslováquia, o governo tem tido uma atuação excelente, assertiva, e acima de tudo efetiva dentro das possibilidades. Há falhas, todavia, há o interesse por parte do diálogo entre as autoridades para apaziguar os anseios da população e, por fim chegar a uma solução para o problema. A pandemia é um problema mundial de saúde que os esforços dependem da política para serem solucionados, mas não dos debates efêmeros e pífios sobre orientações políticas. Esse é o meu conselho para os que estão vivenciando o inóspito momento no Brasil.

PRN – Como tem sido a reação das pessoas às restrições?

GG – Destacando que no momento em que a entrevista está a ser respondida, 08/04/2020, estamos com um número de infectados em setecentos e uma pessoas e de mortos restringidos a 2 pessoas, a sociedade está a contribuir para o controle aparente da situação. Há um pensamento realista que os números de infectados estão a crescer dia após dia, contudo a população tem sido parte sine qua non na contenção de consequências ainda mais extenuantes, isto é, os cidadãos eslovacos e residentes estrangeiros deste país são merecedores de congratulações por seguir as orientações dadas pelas autoridades governamentais de saúde em sua grande maioria.

PRN – É possível ter uma noção sobre o que pensa a comunidade científica eslovaca a respeito dessa pandemia?

GG – A comunidade científica eslovaca tem sido a bússola que está a guiar as medidas de restrições que estão a ser tomadas. As estatísticas estão a comprovar o grande valor dos cientistas neste tenebroso momento, além disso a Eslováquia se destaca na fabricação de ventiladores mecânicos. A empresa Chirana, destaque na fabricação de ventiladores mecânicos, está estabelecida em uma cidade chamada Stará Turá na Eslováquia; um dos fornecedores da  Gilead Sciences, empresa que está a trabalhar no desenvolvimento de um possível medicamento, é a empresa eslovaca Highchem, e o fato de os cientistas estarem diretamente envolvidos no processo de políticas públicas já os qualifica muito na visão realista e assertiva da pandemia.

Haverá um grande impacto econômico, porém o momento é da priorização da vida das pessoas.

PRN – Para a Europa em especial, e para a Eslováquia, em particular, quais as perspectivas para o fim do isolamento social, ou para a minimização dos efeitos dela?

GG – Há uma miscelânea de sentimentos no momento na União Europeia. Há rumores de uma possível ruptura do acordo do bloco que foi exemplo até mesmo para o Mercosul, no entanto, em momentos de crises as pessoas tendem a falar coisas que não são tão auspiciosas. Acredito que após a minimização desse pico de acontecimentos negativos, haverá renegociações e possíveis mudanças, porém não acredito na possibilidade de ruptura. As facilidades e vantagens da União Europeia e Área Schengen suplantam as dificuldades.  Haverá um grande impacto econômico, porém o momento é da priorização da vida das pessoas. A Eslováquia está perdendo uma média de setenta milhões de euros todos os dias devido a paralisação. Especula-se que as fronteiras tendam a abrir aos poucos no fim de maio, mas tudo incerto e a depender do curso da pandemia.

PRN – Sua mensagem final para nossos leitores.

GG – Adaptar-se é um dos predicativos que sempre esteve a nos diferenciar. As circunstâncias são difíceis, mas também podemos equacionar um novo renascimento, e não me refiro a algo idílico. A criatividade e a capacidade de se reinventar são infinitas; a solidariedade está a ser reacendida; a compreensão da importância da ciência aumentará, e a esperança é resistente. Entender a finitude e a fragilidade humana nos ajuda a mudar a perspectiva, redimensionar nossos focos, cultivar a espiritualidade que vai além das vãs religiosidades, e acima de tudo: amar genuinamente. Como dizia a Anne Frank, uma das escritoras que vivenciou a dificuldade e a tortura presencialmente na infância: ‘’Apesar de tudo, eu ainda creio na bondade humana’’.

 

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