ENTREVISTA

Conversa da Semana com Adalberto Veronese

A educação física há tempos deixou de ser encarada apenas como algo recreativo e esportivo, passando a ser vista, também, como importante aliado na prevenção de doenças. Percebendo isso, a academia tem desenvolvido programas, sobretudo na extensão, que busquem contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) é uma dessas instituições. O professor Adalberto Veronese, da UERN, fala sobre essas e outras questões nessa Conversa da Semana.

Por Márcio Alexandre


PORTAL DO RN – Professor, passamos a viver uma nova realidade com a pandemia. Como o senhor vê os impactos disso para a educação?

ADALBERTO VERONESE – Eu percebo, fazendo uma análise global, que nós vivemos hoje um momento de recessão. Nós estamos vendo que o brasileiro está ficando cada vez mais pobre, a gente ode observar isso nos números do PIB (Produto Interno Bruto). Ao mesmo tempo, a gente observa os preços das coisas aumentando, a taxa da inflação, com uma meta de 4%, ela em 3,2% já é uma coisa absurda. Veio então a pandemia e ela veio também com uma forma de nós avaliarmos como estamos atuando, e de diversas maneiras. Enquanto pessoa, do ponto de vista administrativo, do ponto de vista de finanças, e de tantas outras situações. Diante desse problema em que o Brasil se encontra, a gente começa a perceber que com a pandemia, o ensino público também apresenta alguns gargalos. E esses gargalos estão presentes desde o ensino básico.

PRN – Que gargalos são esses?

AV – Se pararmos para observar, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) tem mostrado uma queda no número de alunos fazendo o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Diminuem os alunos do Ensino Médio. Entram alunos pata as universidades, tanto públicas quanto privadas mas a gente observado um crescimento exorbitante de instituições privadas. Quando o aluno entra na instituição públicas, as universidades federais  conseguem que 40% dos seus estudantes consigam concluir seus cursos. Nas estaduais, esse índice é de 50% e nas municipais, 60%. Nas instituições privadas, esse percentual é de 32%. No momento em que temos muitas pessoas entrando para o ensino superior, elas não conseguem concluir. Chegando no Rio Grande do Norte, temos uma característica peculiar: somos um dos 3 Estados do Brasil que tem mais alunos estudando no ensino público do que em instituições privadas. Diante de toda essa calamidade que a gente observa, com o brasileiro  ficando mais pobre, a inflação aumentando e a pandemia acontecendo, a educação entra numa  dinâmica peculiar, que é o ensino remoto.

PRN – Quais as dificuldades desse ensino remoto?

AV – E no ensino remoto, eu que sou da educação física, vejo muito as questões sob a ótica da subjetividade, mas especialmente pela questões empíricas, eu gosto muito de ver o fazer, a gente observa muito os nossos alunos. A mesmo tempo em que o aluno quer um auxílio   digital, ele não consegue entrar no mundo digital porque ficou desempregado, e não conseguiu pagar a prestação de uma moto, e ele não tem condição sequer de tentar concorrer a uma vaga para conseguir o auxílio. Isso é um de muitos exemplos. E qual o resultado disso? Eu trabalho com uma disciplina e antes de iniciar o ensino remoto fiz uma pesquisa com os alunos para saber em que condições eles iriam acompanhar as aulas remotas. Muitos utilizam o celular, poucos o computador. Outros utilizam a internet do vizinho. Teve aluno dizendo: professor, não tenho como fazer um ou outro trabalho porque não tem computador. São situações que talvez se tivéssemos na condição presencial talvez não ocorressem.

PRN – O Ministério da Educação havia determinado o retorno das aulas presenciais para 4 de janeiro, teve que recuar por pressão, e agora estabeleceu a volta para março. O senhor vê viabilidade para esse retorno?

AV – Voltar sem uma vacina é algo muito arriscado. Hoje, por exemplo, nós conversamos com muitas pessoas, e um professor, num desses diálogos, dizia que quando as pessoas estão na rua, numa festa, num bar, a responsabilidade é delas, mas no momento em que uma representação da Universidade chama a comunidade para voltar, a responsabilidade é dessa comissão, dessa equipe, do Estado. Então, a gente precisa ter muita responsabilidade. Para vir para a UERN, por exemplo, eu preciso saber como está as condições de uso dos ar-condicionados, que os alunos vão passar por uma condição sanitizante, que vão ter situações de avaliação da saúde dos estudantes, professores e técnicos. São exemplos como esse que a gente precisa avaliar com relação ao nosso ensino.

O Estado do Rio Grande do Norte vive um momento de esperança.

PRN – E como está a condição para ser trabalhar hoje na universidade?

AV – Um aspecto que a gente precisa levar em consideração – eu sou um professor que trabalha com ensino, pesquisa, extensão e tecnologia – é que as vezes a gente acaba tendo que resolver alguns problemas tirando do próprio bolso. Em determinado momento, o meu sentimento era de que isso era uma questão momentânea, de improviso: ah, faltou um insumo, vou ali comprar, é só uma vez, que da próxima vez provavelmente vai ter. Mas a gente observa que a realidade é completamente diferente. Eu percebo que tem a ausência do recurso, mas as vezes tem a ausência da condição de ir buscar o recurso. Era preciso que se dissesse: olha gente, estamos num momento de recessão, não temos o recurso, mas vamos buscar o recurso. A universidade é uma instituição formadora do conhecimento, então ela tem know how para criar, para estabelecer alternativas pra se conseguir ir atrás desse recurso. Vou dar um exemplo clássico: trabalho com tecnologia e nós temos aqui registro de patentes, alunos de mestrado desenvolvendo equipamentos, que vão cuidar da saúde das pessoas, e qual o problema nesse meio-termo? Enquanto pesquisadores, enquanto inventores, está faltando alguém para chegar, fazer a transferência da tecnologia, que vá na indústria e diga: olha, está vindo um professor com sua equipe, trazendo um projeto que ajuda a saúde das pessoas, vocês querem ver? Vamos ver nossa proposta? Qual o resultado disso? Recursos para os inventores. O inventor recebe um capital por mérito e trabalho, a universidade recebe o recurso porque grande parte desse recurso é da universidade, e parte do recurso da universidade pode ser destinada para questões gerais, mas essencialmente para os laboratórios que precisam de permanente manutenção. Isso é um exemplo clássico de uma estratégia que poderia ser feita para resolver determinados problemas.

PRN – E como está a questão das bolsas?

AV –  Observo na pesquisa também um crescimento das bolsas e isso é uma questão bacana, salutar, mas o grande problema é: ter as bolsas e não ter as condições para sustentar esses projetos, acaba não conseguindo se avançar da forma que se queria. Então se tivéssemos uma proposta que trabalhassem editais que permitissem, por exemplo, trabalhar temas emergentes, como essa da Covid, acho que isso seria um motivador para os professores avançarem. Eu participei de um edital do governo Robinson Faria, pela FAPERN que até hoje eu não recebi. Foram R$ 4 mil de um kit ciência que não recebi até hoje por questões burocráticas. Os alunos trabalharam? Trabalharam e muito. Receberam bolsa? Alguns receberam, mas tive que correr atrás de recursos, tirando do próprio bolso, para fazer a coisa acontecer.

PRN – E na extensão, quais projetos você destacaria hoje?

AV – Na extensão, a gente observa que a universidade, apresentando propostas, estratégias que chamem a atenção da comunidade para estar dentro dela, ao mesmo tempo em que a universidade também saia dos seus muros, também é muito interessante. Nós temos um projeto de extensão, que logo que cheguei na universidade, se chamava Mais Saúde. Começou em Pau dos Ferros, com o nome Ginástica Laboral na UERN. Passamos a realizar programas de ginásticas laboral e também atividades físicas e esportivas para pessoas que estavam lá na época. Quando viemos para Mossoró, o professor Aldo Gondim nos fez um convite para coordenar o Programa Mais Vida. Aí começamos a desenvolver esse projeto com diversas atividades esportivas, ginástica laboral, etc. E foi um momento muito especial para mim porque conheci muito a universidade por causa dele, eu consegui estar perto das pessoas, ver o sentimento das pessoas, de como elas trabalhavam, as inquietações, isso foi muito bacana, muito bonito. E com esse projeto eu também pude oportunizar aos alunos, que hoje são professores, a vivenciar essa questão. O projeto virou programa e na época do governo Lula, que teve um o Programa Nacional de Extensão (PROEXT) e ele conseguiu beneficiar mais pessoas. Hoje, temos o Pra nadar, programa de extensão aquático, que atende do bebê ao idoso. Recebemos também pessoas que tem algum tipo de deficiência. É um espaço que para mim é um projeto piloto para a universidade.

PRN – Mesmo com todas as restrições impostas pela pandemia, tem sido possível realizar alguma atividade de extensão?

AV – A extensão gosta de estar perto das pessoas. Esse tem sido nosso grande desafio. O que nós fizemos no início da pandemia? Como nossas ações de extensão nós não temos só alunos de Educação Física, temos alunos também da Comunicação Social, da Publicidade, e aí nós começamos a oferecer esse serviço pela internet, através das mídias digitais. Começamos a ter uma boa receptividade. O diferencial é porque nós queríamos fazer na piscina, mas nós não tivemos como fazer. Esse programa Pra nadar faz parte do Núcleo de Atividade Física, Esporte e Lazer, e esse núcleo, junto com nossos alunos, começaram a apresentar programas de exercícios funcionais em casa. Então nós começamos a fazer essas atividades, apresentando 3 vezes por semana, uma hora de atividade, e dessa proposta de exercícios, quinzenalmente fazíamos ao vivo e as pessoas iam participando.

PRN – A educação física hoje tem sido encarada também como importante questão de saúde, com mais pessoa aderindo á realização de atividades nessa área. Qual tem sido o impacto da pandemia nessa questão?

AV – Nós observamos em nossas pesquisas que toda atividade física ou exercício físico, que é atividade monitorada por um profissional, é de suma importância para melhorar a imunidade das pessoas. Então no momento em que a pessoa realiza um exercício físico, uma atividade física, ela começa a cuidar da sua imunidade. Então a educação física tem uma característica particular porque ela vem com medidas de prevenção. Então ela alerta as pessoas para manter uma vida saudável, realizar um programa de atividades físicas diárias – e o programa ideal é aquele em que você faz 150 minutos de atividades físicas semanais de for moderada, ou 75 minutos de forma vigorosa -e o grande desafio nesse período da pandemia é o acompanhamento das pessoas no desenvolvimento dessas atividades físicas. A nossa preocupação é: será que as pessoas estão realizando essas atividades de forma a que isso possa agravar  problemas à sua saúde. Nós estamos com esse cuidado, com essa preocupação. Nó recomendamos total atenção aos profissionais e às pessoas que estão frequentando os espaços de atividade física de forma presencial que respeitem as questões sanitárias.

PRN – A UERN tem conseguido vencer as dificuldades, as superar os seus desafios, do ponto de vista a questão estrutural, da gestão?

AV – A leitura que faço da universidade, nesses 52 anos de existência, é que ela precisa mudar, ela precisa avançar em alguns aspectos. A primeira delas é que tenhamos uma autonomia plena: didático-pedagógica, administrativa e financeira. Mas para trabalhar a autonomia financeira, nós precisamos também fazer uma avaliação na política de gestão. Uma proposta de gestão tem que estar pautada na aproximação das pessoas, ir mais às pessoas, não esperar o problema acontecer. Uma política de gestão democrática é quando você encontra temas emergenciais e dialoga com a comunidade para estabelecer soluções. Esse é um dos exemplos: não precisava ter uma pandemia para se estabelecer posturas de comunicação com as pessoas.  Acho que a gente precisa fazer ua avaliação da gestão administrativa, e acho que nós precisamos de uma valorização didático-pedagógica. Valorização didático-pedagógica está pautada não só na estrutura, mas na motivação que professores, técnicos e estudantes precisam ter para ter qualidade nas suas aulas. Então vem da estrutura, de editais que permeiam determinados temas, condições que motivem os professores a realizar suas aulas de campo, e muitas outras situações que são importantes nesse sentido. A valorização didático-pedagógica, a revisão da política administrativa da Universidade e a autonomia financeira são pontos que fazem a universidade mudar. Outro ponto importante é fazer acontecer nossos Panos de Carreira, Cargos e Salários.

Uma política de gestão democrática é quando você encontra temas emergenciais e dialoga com a comunidade para estabelecer soluções.

PRN – Como você avalia a gestão estadual?

AV – O Estado do Rio Grande do Norte vive um momento de esperança. Temos no governo uma professora, que gosta das pessoas, que quer ver o melhor de todas as pessoas. Eu tenho conversado cm as pessoas e a gente sente esse momento de esperança. A gente ver um esforço para pagar as folhas atrasadas e vencida essa etapa será hora de sentar para se discutir a questão da defasagem salarial dos servidores.

PRN – A universidade já experimenta articulações com vistas as eleições do próximo ano. Você pretende participar da disputa?

AV – De fato, o nosso nome, após uma votação interna de um grande grupo de oposição da universidade que desde o ano passado vem discutindo esses problemas que vem acontecendo junto à instituição, depois de uma votação com representação de professores e professoras, técnicos e estudantes, nosso nome e o da professora Maria José Vidal, do Campus de Natal, foram escolhidos por esse grupo como pré-candidatos na eleição do próximo ano. Recebemos como muita satisfação, mas sabendo do desafio que vamos ter. Acho legal a formação porque a gente quer que a universidade mude, pensando numa gestão democrática, inclusiva, pensando na equidade, e vejo também que a formação que ocorreu mantém a igualdade de gênero. Estamos tendo uma igualdade de campi também. Historicamente, os candidatos são do campus central. Temos uma professora do Campus de Natal, que já foi do campus de Caicó, do mesmo jeito que eu que vim do Campus de Pau dos Ferros. Tem uma mistura do ponto de vista da igualdade de campus.  A gente tem o sentimento de que é possível uma construção deum grupo de pessoas que a gente respeite as posições, tanto dos docentes, quantos dos técnicos como dos estudantes. A gente tem conversado com os 3 segmentos diariamente e no momento que a gente monta uma proposta, não é uma proposta de 2 pessoas, mas de um grande grupo, dos 3 segmentos, que mostram suas ideias  e as possibilidades de fazer a universidade crescer. Estou muito motivado para esse momento. Eu estava aqui fazendo minhas atividades e tinha duas escolhas: ou eu ficava no anonimato, fazendo minhas atividades e me conformando com o que estava acontecendo ou eu ia para a luta. A minha escolha foi ir para a luta.

A minha escolha foi ir para a luta.

PRN – Seu nome parece ter uma grande inserção entre os técnicos. A que você credita isso?

AV – Acho que tudo que aprendi na universidade foi com meus colegas professores, mas a minha convivência na administração foi muito com os técnicos. A maneira de eu estar conversando aqui com você eu devo a um técnico, a uma técnica. Tínhamos colegas no Decom, na Agecom, eventos que a gente participava e eles davam aconselhamentos, dicas até hoje, escritas que são encaminhadas. Aprendi muito com os técnicos.  Então esse é um dos muitos exemplos que podemos citar. Outro ponto, é que eu gosto de estar com as pessoas, de conversar com as pessoas. O gestor precisa ver o técnico, o professor, a professora desenvolvendo sua atividade para ele sentir a importância desse trabalho.

PRN – E como tem sido sua relação com os alunos e professores?

AV – A nossa relação com as docentes, bem como os nossos e nossas estudantes acreditamos que é a das melhores visto que compreendemos que há uma relação de aprendizado, de construção do conhecimento.  Durante os 14 anos de UERN, as parcerias com as ações de ensino, pesquisa e extensão tem nos oportunizado atividades com os cursos de Comunicação Social, Ciências das computação e Enfermagem ao tempo em que estas ações se estendem a profissionais da saúde e das engenharias de outras instituições como:  UFERSA, UFC, UFPB, IFPB, UPE E UFPI. Fora do país  com a UTAD – Portugal.  Com os nossos e nossas estudantes, que extrapolam a formação exclusiva em Educação Física, temos um grupo também com formação em Publicidade, Ciências da Computação, Engenharia Elétrica, Administração, Automação,  Mecatrônica e além de alunos do Ensino Médio. Desta forma, acreditamos que projetos com envolvem parcerias com diferentes instituições e áreas de formação a UERN tem a possibilidade expandir a sua capacidade de criação e de formação do conhecimento.  Hoje, em meio a esta pandemia tivemos além de patentes de equipamentos voltados para a saúde através do exercício físico,  a premiação de duas pesquisas no Primeiro Workshop em Ciências da Saúde,  a publicação de dois artigos e mais 4 que estão em fase de finalização e análise de pareceristas, além da continuidade de alguns produtos que estavam parados por causa da pandemia. Quero frisar que em todos estes anos de UERN tudo que fizemos e estamos fazendo se deve às parcerias com professores (as), técnicos (as) e estudantes.

PRN – Espaço aberto para suas considerações finais.

AV – Gostaria de agradecer pelo espaço, pela oportunidade, e dizer para a comunidade que estamos juntos, apesar da distância, apesar de estarmos passando por todas essas situações que estamos passando, de dificuldades de dar aula, de alunos que apresentam dificuldades de ter as condições para assistir as aulas, dos técnicos que sempre carinhosamente prestam seu serviço, apesar das dificuldades, que nós vamos vencer. E nós só vamos vencer se tivermos coragem de mudar. Acho que podemos mudar dando uma nova cara à gestão.

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