Crônica

TIBAU ERA UMA VIAGEM

Cortar os quarenta e poucos quilômetros entre Mossoró e Tibau exigia disposição de viajante. De caminhão ou de Jeep, cerca de uma hora de estrada com muita poeira e catabis, tudo aquilo era uma viagem no sentido original do termo. Mas era também uma “viagem” (entre aspas mesmo) no sentido da emoção e deslumbramento. Chegar a Tibau entre sete e oito horas da manhã e ver os morros à direita como uma cortina que, de repente, descobre aquela imensidão de água azul a refletir a luz do sol, era uma experiência comovente que se repetia a cada chegada com a intensidade de primeira vez.

Ruas tortuosas com piso de areia, sem energia elétrica, com uns poucos pontos de comércio do mais básico, uma pequena padaria na rua principal, à entrada, e um único telefone, na casa de Dona Josefina, a praia era habitada essencialmente por pescadores e suas famílias, mas os chamados veranistas completavam essa população de modo quase permanente, já que, para nós, verão é todo tempo em que não está chovendo.

O trecho de maior concentração, seja de moradores nativos, seja de casa de veranistas, seja de circulação dos banhistas dos domingos, era o que ficava entra as Manuelas (sim! Era Manuelas, não Emanuelas) e a pedra que marca a divisa com o Ceará. Para além da chamada Pedra do Chapéu as casas rareavam e os banhistas tinham o limite norte da caminhada à beira-mar.

Em Mossoró, a população com pouco dinheiro no bolso e muita vontade para um domingo sol e mar, já sabia que tinha à disposição ao amanhecer do dia, os caminhões e mistos que partiam da Praça do Mercado, tão logo a lotação compensasse a viagem, nos cálculos dos donos desses veículos, e isso não demorava muito para ocorrer. Aí era enfrentar alegremente o caminho e, ao chegar, colocar a roupa de banho, correr na praia, comer um grude comprado no tabuleiro da mulher ou do menino, mergulhar naquele mar calmo e raso e, depois, tirar o sal na gostosa água do pingo de água doce, antes de saborear um peixe preparado com o segredo das praieiras. Tomava-se muita água de coco e muita água que não dá em coco. Os que preferiam a segunda tinham o dia inteiro para dissipar o álcool no vento da praia e na água do mar. Os que abusavam corriam o risco de perder o caminhão de volta.

Muita gente não voltava sem, antes, passar pelos morros de areias brancas. Uma porção dessa areia era obrigatoriamente trazida, em sacos ou algum tipo de vasilhame para compor o arsenal das cozinhas e deixar brilhando o alumínio. Se o hábito, por várias circunstâncias, não muda, ele teria destruído aqueles morros, antes que os tratores das construtoras o fizessem.

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