CRÔNICA

POEMA DE CONCRETO

Quando, em 1972, foi inaugurado o Estádio Humberto de Alencar Castelo Branco, em Natal, aquelas paragens do atual Bairro de Lagoa Nova era uma capoeira onde fora Mata Atlântica. Casas em pequenos agrupamentos ou isoladas, alguns barracos de madeira. O acesso ao estádio, de carro ou ônibus, só era possível pela Av. Salgado Filho/BR 101. A classe média fizera da Salgado Filho extensão do Tirol para morada e tinha prédios de construção recente, como o da sede da Construtora EIT, do DER e do CREA. Mas, se o jogo era no Domingo à tarde, quem morava no Alecrim, Quintas, Bom Pastor, Nazaré e Cidade da Esperança, podia ir a pé, pelas picadas abertas no mato, radinho de pilha ao ouvido.

O Juvenal Lamartine ficara pequeno para ABC e América, jogando entre si ou contra o Alecrim, embora continuasse de bom tamanho para as contendas entre Ferroviário de Joãozinho Paiva e Atlético de João Machado, Força e Luz de Pierre e Riachuelo do Tenente Castro. Época dos treinadores nativos ou de Estados vizinhos entre os quais os icônicos Pedrinho de Quarenta e Caiçara. Tempo do apito de Luiz Meireles, Guaraci Picado, Nelson Luzia, Jader Correia e Afrânio Messias. Jogadores e árbitros deixavam o velho campo do Tirol, onde o xingamento da torcida era praticamente ao pé do ouvido e o bagaço de laranja diretamente nas costas, jogado das arquibancadas de madeira (única parte coberta) onde ficava a torcida do América ou do “Frasqueirão”, patamares de cimento duro do lado que ia na direção do Colégio das Freiras, local da torcida do ABC.

A abertura do novo estádio coincidia com a estreia do ABC na série A do Campeonato Nacional e do América que viria no ano seguinte. Jogos memoráveis contra clubes de expressão nacional. O Santos de Pelé e Cia, Botafogo de Jairzinho e demais estrelas, Corinthians de Rivelino e um bocado de craques, Palmeiras de Dudu e Ademir da Guia e Flamengo de Paulo Cesar Lima (ex-Botafogo) e de Fio (Maravilha).

Foi chamado de “poema de concreto”.  Ainda há quem atribua o elogio ao jornalista João Saldanha. A versão mais plausível é que a frase foi do Governador Cortez Pereira e Saldanha repercutiu na imprensa nacional, pois o gaúcho teria ficado também impressionado com a beleza do estádio, suas linhas onduladas, simulando dunas, inspiração do arquiteto Moacyr Gomes. Mudou de nome para, com apoio praticamente unânime dos norte-rio-grandenses, homenagear figura marcante do futebol potiguar, o folclórico João Claudio de Vasconcelos Machado. Depois, vítima da insensibilidade, foi demolido. Virou “poema da saudade”.

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