Revi, dia desses, a foto de Pedro. Tive a impressão de ouvir o timbre de sua voz pronunciada em ritmo meio arrastado, típico de nosso matuto. Vendia cabos de vassoura. Varas retiradas da caatinga, de cerca de um metro e meio ou pouco mais, para servir de cabo às vassouras de palha de carnaúba usadas em 10 entre 10 casas mossoroenses. Havia também as varas mais longas, de mais de dois metros, para aquelas vassouras de vasculhar as partes mais altas das paredes, junto ao teto.
Figura esguia, estatura mediana, chapéu com aba virada na frente, caminhava lento, varas ao ombro, rua acima, rua abaixo. Parava à porta e oferecia: “cabo de vassoura, Dona?”
Apareceu depois com uma rabeca. Músico primitivo, tirava acordes muito simples das cordas e, ainda assim, agradava o ouvinte. A música tem esse poder. Por mais simples, acalma, suaviza o cansaço, os ânimos e os espíritos mais ásperos. Ele, que já era Pedro Xerô, Pedro das Vassouras, ganhou uma terceira identidade: Pedro da Rabeca, ou melhor, Pedro da Rebeca, porque prevaleceu a corruptela com que o povo se referia ao instrumento.
Incorporou a arte também como meio de vida, alternando, conforme o dia, com o trabalho anterior, de vendedor de cabos de vassoura. Recebia o equivalente à boa vontade do ouvinte. Não era pedinte. Poderia ser chamado de artista de rua se, naquele tempo, tal expressão existisse. Era simplesmente, Pedro, agora também, Pedro da Rabeca.
Em suas andanças, Pedro não descuidava de, de vez em quando, parar em uma bodega, das muitas que havia no percurso usual, para experimentar uma cachacinha. Uma pausa também, talvez, para uma conversa, embora ele fosse de natureza um tipo calado. Porque também para essa convivência existiam aqueles estabelecimentos.
Um dia, almoçou na casa de uma pessoa conhecida na cidade. Isso era algo comum, pois onde morava na época era zona rural e demandava uma viagem a pé até a área urbana onde ele exercia seu ofício. Naquele dia, para o almoço fora preparada uma cavala, peixe dos mais apreciados, mas tido como “carregado”, ou seja, de consumo impróprio para pessoas sensíveis a alguma de suas proteínas, ou em associação com alguma outra coisa. Depois do almoço alguém lhe disse para não “beber” depois de comer cavala, pois “fazia mal”. O conselheiro não tinha ideia da extensão do conselho. Mostrando determinação de não partir tão cedo, consta que Pedro, daí em diante, nunca mais pôs na boca uma gota da branquinha. Foi a única vez, certamente, que a ignorância beneficiou alguém, de algum modo.