CRÔNICA

NÃO ERA APENAS ZONA

A área geográfica de concentração de bordéis e similares, incluindo bares, boites, dancings, que existia em todas as cidades como reduto isolado, em que só ia quem tinha negócio, onde ninguém passava por acaso, era conhecida por uma profusão de nomes diferentes, dos clássicos, usados em todas as partes do país, aos regionais que às vezes precisavam ser traduzidos para a gente de fora. Entre estes últimos, eram mais comuns os termos e expressões debochadas, invariavelmente eivadas de menosprezo, embora não poucas pessoas prezassem os passeios por seus descontraídos espaços. Uma das expressões amplamente distribuídas pelo Brasil era “a zona”. Os dicionários incorporaram, entre os diversos significados do termo, o que define área onde se acha estabelecido o meretrício, provavelmente relacionado a outra gíria que emprega o vocábulo zona no sentido de desordem, confusão, bagunça.

Não é falsa a afirmação de que confusões eram comuns nesse perímetro. A sensação de estar em território livre de certos conceitos comportamentais e a euforia alcoólica de seus muitos bares certamente concorriam para esses entreveros. Mas esse “animus laedendi” talvez não fosse muito diferente de outros ambientes marcados pela presença de grande número de pessoas de naturezas diferentes, no entusiasmo de dionisíacas comemorações. Por outro lado, tal sensação poderia não ser confirmada por análise mais acurada. Paradoxalmente, a constatação da vulnerabilidade do local, decorrente de tudo que o diferenciava da comunidade em geral, conduzia ao estabelecimento de controles considerados necessários no sentido de moderar a flama dos mais exaltados e até mesmo a um “código de ética” não formalizado, mas aceito como necessário para que determinados limites não fossem ultrapassados. Afinal, “gente importante” também acontecia ali, notadamente em alguns estabelecimentos.

A rotina diária tinha uma hora determinada para o burburinho acabar. Na batida do relógio, quem ia, ia e quem ficava, ficava. Depois do apito da polícia, sinalizando o toque de recolher quem fosse apanhado pela rua era suspeito, não importava de quê. Do que não se precisava suspeitar, porque estava explícito na história de vida dos que por ali haviam caminhado, era o epílogo após o último apito, não do guarda, mas do glamour que perpassava salões luxuosos. Então, restava a desvalida solidariedade entre iguais, ou de quem, ainda vivendo a primavera, antevia o próprio outono. À distância, alguns que haviam passado na condição de visitantes mitigavam um pouco essa penúria, sob rigorosa discrição. A “mea-culpa” nunca é fácil.

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