OPINIÃO

Não conhecemos o peso da saudade até carregarmos uma praça morta dentro da gente…

Por: ÂNGELA RODRIGUES GURGEL


Essa semana Mário Sérgio, um colega do Café & Poesia, compartilhou um vídeo de um amigo de infância falando sobre a praça de sua cidade – Camboriú/SC. Achei interessante a reflexão feita por ele e me peguei pensando nas praças de “minha vida” e na importância delas desde a antiguidade, quando, a partir das mesmas, como centro de convivência e de encontros, as cidades eram construídas e seus espaços distribuídos. Além de se constituírem como um ponto de referência, as praças carregam diversas funções que nos ajudam a pensar a cidade e os papéis que nela exercemos.

Para além dos laços afetivos, as praças, quando arborizadas e bem cuidadas, embelezam e criam ambientes mais saudáveis, geram bem-estar psicológico, harmonizam o espaço urbano, proporcionam sombra e proteção, mantem o solo permeável, diminuindo a chance de enchentes, auxiliam na manutenção do clima evitando ilhas de calor, melhoram a qualidade do ar, aumentam a biodiversidade e funcionam como “válvulas de escape” em meio a correria imposta pelo cotidiano urbano. São importantes palcos para as crianças, jovens, adultos e idosos criarem laços afetivos com o espaço urbano.

As praças são, ou deveriam ser, locais de beleza e memória, constituindo a alma da cidade. Nelas, quase sempre, encontramos marcos referenciais, projetos paisagísticos que estimulam o convívio. Hoje, em algumas cidades, elas andam tristes, desabitadas, solitárias, imersas em suas próprias memórias. Perdemos o hábito de caminhar na praça, de nos sentarmos à sombra das árvores para conversar com os amigos, ler, paquerar ou simplesmente observar a vida acontecendo. Nossas praças estão vazias. Entregues à sua própria memória e solidão. Como seres históricos e sociais entendemos que esses espaços de convivência são necessários para manter a cultura e a história como parte da nossa formação como indivíduos, mas fomos, ao longo do tempo, perdendo o contato com as praças, tão presentes em nossas vidas décadas atrás. Parece que o medo da violência urbana acabou matando nossa visão poética, quase lírica, sobre elas. É verdade que a vida na cidade se tornou traiçoeira, assustadora e extremamente violenta, que o tempo parece andar mais depressa e já não há espaço para um poeta sonhar embaixo de uma árvore sentindo a poesia acariciar sua pele, aquecer seu corpo e embaçar seus olhos com a suave poeira das coisas miúdas que dão grande significado à nossa existência.

As cidades, com suas praças mortas, ficaram melancólicas. Deixamos morrer a vida que brotava dos encontros nas ágoras e permitimos que as praças fossem povoadas pelo medo, arrancando delas o conforto das mãos entrelaçadas, o brilho encantador dos olhares enamorados. Para onde foram as tardes mornas de verão grávidas de esperança que desfilavam nas praças de nossas lembranças? Por que elas parecem perdidas no tempo, se a vemos bem ali, erguidas sobre o nada que agora lhe povoa? Para onde foram os risos que ecoavam no ar misturados à música que tocava no barzinho da praça? E o carrinho de pipoca, para onde transportou aquele sabor de descobertas que só existia nas pipocas da pracinha? Por onde andam os sonhos construídos no coreto da pracinha? Parafraseando Paulo Leminski eu diria que nunca vamos saber quanto custa uma saudade, o peso agudo no peito até carregarmos uma praça morta pelo lado de dentro.

Mas não são apenas as minhas praças que estão entregues à solidão, segundo Lilia (Curitiba/PR), outra companheira do Café & Poesia, “a praça de minha cidade também hoje anda vazia de tudo e todos que a alimentavam. Restam as lembranças e saudade… a esse comentário o Mário Sergio acrescentou, “acho que hoje, todas as praças estão vazias. O caminhar e o conversar não são mais atos de prazer. Tudo passa, e o passo do caminhar só aumenta a distância e a pressa de passar pela praça. Que, mesmo cheia, continua vazia”.


Ângela Rodrigues Gurgel, licenciada em Ciências Sociais e Filosofia, pela UERN. Membro da AFLAM, ACJUS, ICOP, ALAMP, UBE, coletivo Mulherio das Letras Zila Mamede, uma das idealizadora do Café&Poesia. Autora de Ensaio Poético e Confissões Crônica, com participação em várias antologias e coletâneas. Contribui quinzenalmente com a Coluna Jornalista Martins de Vasconcelos- Jornal DeFato – Mossoró-RN. angelargurgel@gmail.com

 

Notícias semelhantes
Comentários
Loading...
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support