Na cidade razoavelmente silenciosa, ao meio-dia do domingo, os acordes do Concerto nº 1 para Piano e Orquestra, de Tchaikosvky, vindos do rádio de uma residência, chegavam aleatoriamente aos ouvidos do passante.
Nossas rádios não tinham como praxe tocar música erudita. Ou melhor, tinham. Isso ocorria, e era comum, em certas ocasiões, quando acontecia um evento extraordinário, inspirando grande comoção, especialmente falecimento de alguém muito importante. Essas rádios simplesmente suspendiam toda programação normal e ficavam no ar durante todo aquele dia, somente tocando música clássica, interrompida, aqui e ali, pelo locutor que com voz circunspecta lia o texto-padrão: interrompemos nossa programação normal no dia de hoje em virtude de… (e informava o motivo).
É quando a Emissora de Educação Rural, então recém-fundada, cria o programa “Música, Eterna Música”. O rádio mossoroense inaugura, assim, um outro modo de apresentação dessa categoria de música. Bom para o seleto grupo que já tinha o privilégio de conhecer e ouvir os grandes mestres e melhor ainda para o ouvinte simples que agora tinha oportunidade da audição dos eternos clássicos. Lembre-se que, naquele tempo, o rádio era o único meio pelo qual esse tipo de música poderia chegar àquele público. O Professor José Fernandes Vidal, com estilo e método de um velho mestre-escola, separando bem as frases, dando adequada ênfase às palavras, discorria sobre a obra, inclusive sobre detalhes técnicos (escalas, divisões de um conserto etc.), a época e as circunstâncias em que fora produzida. O caráter de homenagem ou a música feita de encomenda para ocasiões especiais, por poderosos, reis e nobres, tudo era explicado com didática. Sabia-se um pouco da biografia do compositor. Tudo isso antecedendo ou sucedendo um concerto, uma sinfonia, uma sonata. Assinalando a abertura e os intervalos do programa, o Concerto nº 1 para Piano e Orquestra, de Tchaikovsky, escolha de excelente bom gosto.
Até onde se sabe, foi a única experiência do gênero no rádio da cidade, o que é lamentável, pois se hoje o acesso a qualquer gênero musical é pleno, a falta do hábito limita esse acesso, no caso dos clássicos. Mas, foi uma oportunidade especial para que um público maior entendesse que música clássica não era sinônimo de música de velório, embora algumas tivessem mesmo a função do réquiem. Hoje, há estudos de neurociência que associam a audição dessa música de boa qualidade à melhoria da inteligência e da memória. Ou seja, é música para a vida, para a beleza da vida. E, um dia, ela nos chegava pelo rádio, ao meio-dia dos domingos.