Ensino superior

Cotas étnico-raciais ampliam as políticas afirmativas na UERN

As universidades do Brasil passaram a implantar as cotas étnico-raciais voltadas para as populações negra, indígena e parda

Com a universalização do acesso ao ensino superior promovida pelo Sistema de Seleção Unificado, que utiliza o desempenho do Exame Nacional do Ensino Médio (SiSU/ENEM), as universidades do Brasil passaram a implantar as cotas étnico-raciais voltadas para as populações negra, indígena e parda. No Rio Grande do Norte, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra é de 58%.

Essas medidas de democratização do acesso ao ensino superior apresentam melhorias nos indicadores educacionais. Conforme a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, publicada no dia 13 de novembro pelo IBGE, pela primeira vez o número de estudantes pretos ou pardos nas instituições de ensino superior da rede pública do País ultrapassou o número de brancos em 2018 (50,3%). Entretanto, a pesquisa aponta que mesmo com o aumento do percentual de estudantes pretos ou pardos no nível superior, a desigualdade de cor ou raça permanece: “Entre os jovens pretos ou pardos de 18 a 24 anos que estudavam, a proporção cursando ensino superior, etapa adequada a essa faixa etária, aumentou de 2016 (50,5%) para 2018 (55,6%), porém esse patamar ainda ficou abaixo dos 78,8% de estudantes brancos da mesma faixa etária no ensino superior”.

Sempre atenta às demandas da sociedade, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) foi uma das pioneiras no sistema de cotas sociais, com a reserva de 50% das vagas para alunos que estudaram na escola pública. Desde 2002, quando a Lei Estadual nº 8.258/2002 foi aprovada e posteriormente implementada em 2004, a UERN vem fortalecendo sua marca de universidade socialmente referenciada, oportunizando o acesso ao ensino superior às camadas populares. Em alguns cursos, o percentual de estudantes provenientes da escola pública chega a 90%. A partir de 2013, a Universidade passou a contar com a Lei Estadual nº 9.696, de 25 de fevereiro de 2013, que instituiu a cota de 5% das vagas para pessoas com deficiência.

Em 31 de janeiro de 2019, o Diário Oficial do Estado (DOE) do RN trouxe a publicação da Lei nº 10.480/2019, sancionada pela governadora Fátima Bezerra. A lei instituiu as cotas étnico-raciais no sistema de cota social da UERN e o Argumento de Inclusão Regional, que estabelece um percentual a mais para quem estudou no RN. O projeto de lei foi apresentado na Assembleia Legislativa do RN pelo então deputado estadual Fernando Mineiro.

Neste ano, o Seminário de Ambientação Acadêmica (SAMBA) foi temático, em alusão ao Dia da Consciência Negra. A presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Rachel de Souza, ressaltou a importância das cotas étnico-raciais para a democratização do ensino.

Questionada sobre o que os calouros vão encontrar de diferente na UERN, Rachel respondeu: “A gente está tendo bastante projetos de extensão e de pesquisa. É uma coisa que eu, quando entrei, não encontrava, e agora a gente já está vendo isso caminhar, com os professores e as professoras se dedicando mais a esse pilar, de pesquisa e extensão. A oferta de bolsas também aumentou bastante. Eu vejo que a UERN, de quando eu entrei, em 2015, para cá, avançou muito, em vários aspectos”, comentou Rachel.

Pró-reitor de Ensino de Graduação, Wendson Dantas destaca que o sistema de cotas da UERN visa equilibrar as desigualdades em relação ao ingresso no ensino superior. “A gente percebia que havia essa carência das cotas étnico-raciais, adotadas em outras instituições do País. Vimos que era necessário adotar essa política com o intuito de atender essa demanda dos movimentos sociais e a população negra do nosso Estado”, afirma Wendson Dantas.

Wendson explica que dentro da cota social, que reserva 50% das vagas iniciais da UERN para alunos de escola pública, 58% serão direcionadas para as cotas étnico-raciais, esse percentual tem como base o número de pessoas que se autodeclaram negra no RN, segundo censo do IBGE. A lei será revisada em 10 anos.

Uma Comissão de Heteroidentificação foi instituída na UERN com o intuito de discutir como operacionalizar o ingresso dos cotistas. Essa comissão se norteia pela experiência de outras universidades, que também utilizam comissões específicas para coibir tentativas de fraudes. Na UERN, a comissão é formada por professores da UERN, da Ufersa, estudantes e representantes de movimentos que lutam pela igualdade racial. Essa comissão vem trabalhando com o intuito de propor a regulamentação desse processo.

Além da cota étnico-racial, inserida nos 50% da cota social, o edital do Processo Seletivo de Vagas Iniciais (PSVI 2020) trará o argumento da regionalização para alunos que estudaram todo o ensino no RN. O percentual será de 10%, definido pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE).

Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UERN

Lotada no Departamento de Ciências Sociais e Política da UERN, a professora Eliane Anselmo da Silva, doutora em Antropologia e coordenadora do NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros/UERN, afirma que a Lei de Cotas Étnico-raciais representa um avanço significativo para a Universidade.

“O critério da cota racial está previsto desde 2012, na Lei nº 12.711. Essa lei trará uma grande contribuição social, que é a ampliação do acesso a essas pessoas a nossa Universidade. A criação das cotas raciais se mostra de grande importância, mas, é apenas um pequeno passo no que tem que ser feito no País para amenizar as desigualdades sociais enfrentadas historicamente pelos negros e pelas populações indígenas”, afirmou a pesquisadora.

Eliane Anselmo analisa que, ao adotar essas políticas de ação afirmativa, o Estado tenta promover uma justiça compensatória, reconhecendo os erros do passado, da chamada dívida histórica, numa espécie de redistribuição dos direitos. “É uma solução a longo prazo, visto que muitos ainda não têm acesso à universidade, porque precisam, para isso também, de uma educação básica de qualidade”.

Esse cenário apontado por Eliane fica evidente em um outro dado da recente pesquisa do IBGE, que aponta que entre os jovens de 18 a 24 anos com Ensino Médio completo que não estavam frequentando a escola por terem que trabalhar ou procurar trabalho, 61,8% eram pretos ou pardos.

Na quarta-feira (20), em alusão ao Dia da Consciência Negra, o NEAB/UERN participou da programação do I Fórum de Terreiros de Religiões de Matriz Africana de Mossoró e a XVI Louvação ao Baobá. Os eventos são gratuitos e abertos ao público. As atividades serão realizadas no auditório da Estação das Artes Elizeu Ventania, às 14h.

 “Quem são, onde estão e o que dizem de si os estudantes negros da UERN?”

Em 2018, uma pesquisa realizada pelas estudantes Thaysa Lobo e Gabriela Soares, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas (GEPP), da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FASSO/UERN), intitulada “Quem são, onde estão e o que dizem de si os estudantes negros da UERN?” orientada pela professora Ivonete Soares, serviu como base para a Universidade elaborar a minuta do projeto de lei que implantou as cotas étnico-raciais, proposta amplamente discutida entre os estudantes, a partir de eventos promovidos pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE/UERN).

A pesquisadora e professora Ivonete Soares afirma que o projeto ampliou o ambiente inclusivo da UERN. A professora reflete sobre o processo histórico: “A gente precisa fazer duas grandes referências – uma é histórica, com o resgate da vinda dos negros para o Brasil, nessa grande diáspora africana que trouxe escravizado mais de 5 milhões de vidas para esse País. Essas pessoas construíram essa nação e com o fim da escravidão foram jogadas na sociedade sem condição alguma de sobrevivência. Essa dimensão da diáspora e da escravidão e da libertação da escravidão traz profundos danos, mas também grandes vitórias para a população negra que deixava de ser coisa para ser reconhecido como gente, mas economicamente e socialmente excluída”, reflete.

Ivonete explica que a população negra continua em seu processo de formação cultural, econômica e social, mas em situações de profunda desigualdade. “Se você diz que nós temos mais de 50% da população em estado de pobreza, você vai ver que 53% da população geral do País é negra. O reconhecimento econômico, social e o fortalecimento desse grupo social para se constituir uma elite negra, no sentido de ser capaz de formar e capaz de conduzir esse País é fundamental, as cotas abrem essa possibilidade, pois ampliam o acesso, tratam desigualmente porque impulsionam a população mais fragilizada para acessar a universidade e o grande ambiente formativo dessa elite social, cultural e econômica”, analisa Ivonete.

A outra dimensão destacada pela pesquisadora é a oportunidade de trazer para o ambiente acadêmico essas discussões e encarar de frente o mito da democracia racial. “Em todos os lugares temos negação do outro pela sua condição de raça, na universidade também, por isso que a gente precisa ampliar a ocupação dos espaços físicos e a presença dos negros nesse ambiente”, complementa.

Para a professora, através da cota étnico-racial, a Instituição materializa direitos e abre a possibilidade de igualdade. Toda essa discussão no ambiente acadêmico leva também ao reconhecimento da tradição, da história e da dívida histórica com a população negra, “além da afirmação da identidade negra e o reconhecimento da condição de si com orgulho, com dignidade e capacidade de ampliar os espaços dessa população”, afirma Ivonete.

Com base no número de alunos matriculados no semestre 2019.1 da UERN, apenas 21% dos estudantes se autodeclaram negros, pardos ou indígenas. O percentual, entretanto, não reflete a realidade, uma vez que mais de 50% dos alunos não declarou raça.

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