O professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Luiz di Souza, foi a primeira vítima fatal da Covid no Estado. Amanhã completa um ano de sua morte. A Conversa da Semana presta uma homenagem a Luiz, trazendo, por meio da voz de sua esposa, professora Margareth Freire, as histórias e o perfil do grande ser humano que nos deixou. Caridoso, inteligente, educado, amoroso e dedicado, Luiz di Souza nasceu em Minas Gerais, mas foi criado em São Paulo, de onde veio em 1994 para lecionar na UERN. Aqui, construiu uma história e deixou um legado de amizade, bondade e sensibilidade. Foi em Mossoró que conheceu Margareth Freire, professora da rede básica de educação, torneira mecânica e poetisa. Nessa entrevista, Margareth apresenta um relato emocionado e apaixonante da relação de Luiz com ela, os filhos, netas e amigos. Suas respostas dão uma mostra de como a pandemia tem devastado famílias, interrompido sonhos e deixado sequelas. Para que outros não sofram perdas tão importantes como as dela, Margareth faz um apelo. “Se cuidem, se protejam. Se cuidar é um ato de amor”.
Por Márcio Alexandre
PORTAL DO RN – Margareth, como era o professor Luiz Di Souza?
MARGARETH FREIRE – Meu marido era uma pessoa muito tranquila. Ele era muito calmo, um pai muito tranquilo. Sabe aquele pai que nunca briga com os filhos? Ele era assim. Era muito caseiro. Muito generoso, sempre ajudou muito os alunos dele. Lembro que teve um aluno dele – e esse aluno me ajudou bastante nesse período – que tinha passado na seleção de Mestrado. E ia perder a vaga porque a família dele estava sem condições de bancar, e ele estava desempregado. Essa situação chegou aos ouvidos de “mor”, e ele chamou esse aluno em questão e perguntou: e aí, já está arrumando as malas? O rapaz respondeu: não vai dar certo não. ´Mor´ falou: como assim, não vai dar certo? E o aluno respondeu: é porque surgiram uns problemas aí. ´Mor´ disse: tá faltando dinheiro? E o aluno: é. ´Mor´ disse: não, tá aqui para você ir, dá para ficar um tempo lá até arranjar uma bolsa. E ´mor´ nunca falou essas coisas, ele nunca falava. Eu sabia dessas coisas porque os alunos dele me diziam. Muitas vezes ele chegava aqui com 15, 20 alunos, ligava em cima da hora: minha filha, estou levando os meninos para almoçar aí em casa. Eu ficava enlouquecida porque às vezes nem tinha feito tanta coisa, mas aí a gente ajeitava na hora e dava certo. Eu amo esses meninos, são meus filhos, como eu costumo dizer. ´Mor´ era muito delicado. Esse mês está mais difícil ainda porque ano passado ainda teve o aniversário dele, que é em 1 de fevereiro, esse ano foi a primeira vez que passei o aniversário dele sem ele estar presente. Ele tinha uma delicadeza, uma sensibilidade. No dia da mulher, se tivéssemos eu, minha filha mais velha, minha irmã, ele saía discretamente – eu dizia que ele tinha os passos do leopardo, chegava de mansinho e a gente nem sentia – e de repente ele chegava com flores para cada uma. Minha irmã dizia que o maior buquê era o meu. Claro, eu era a mulher da vida dele. Esse ano, nossa filha caçula foi quem fez isso. Ele arrumava a mesa cedo, não deixava ninguém me acordar e quando eu acordava estava a mesa posta, com os arranjos ridículos que ele fazia (risos). Eu costumava dizer: amor, como decorador você é um ótimo químico, porque ele ia no jardim aqui e pegava algumas coisas e já arrumava. Esse ano minha filha caçula disse: mãe, não se preocupe, a tradição de painho vai continuar. No Dia da Mulher você vai ter a mesma coisa que ele fazia. ‘Mor´ era uma pessoa muito inteligente, um PhD, mas era muito humilde, com muita simplicidade, sem arrogância, sem empáfia.
PRN – Como ele veio para Mossoró?
MF – Ele nasceu em Minas e com 16 dias de nascido foi para São Paulo, para Aparecida do Norte, onde ele foi criado. Em 1999 ele veio para Mossoró porque a UERN estava precisando de profissionais da área dele, na área de Química e na especificidade dele. Um amigo de infância dele, Marquinhos, é quem viria, mas aí Marquinhos passou em um concurso em Vitória (ES) e falou para Luiz dessa necessidade da Universidade. Ele não conhecia Mossoró ainda, tinha vindo já a Fortaleza e também a Natal, mas Mossoró, que fica no meio dessas idades, ele não tinha vindo ainda. Luís Gonzaga, que faleceu e março do ano passado também, que conhecia ele lá de São Carlos (SP) onde fizeram Mestrado e Doutorado, disse a ele que mandasse os documentos que ele já estaria empregado. Luís Gonzaga sempre foi muito brincalhão, e meu marido mandou mas nunca acreditou que seria sério. Quando foi numa sexta-feira, Luís Gonzaga ligou e perguntou se ele já estava chegando e ele perguntou: e é sério? Luís Gonzaga disse que sim. Ele então passou a acreditar, saiu do trabalho em que ele estava, em Aparecida, e veio sem conhecer nada nem ninguém.
Ele não era só meu marido, era meu amigo, meu conselheiro, meu companheiro, meu incentivador.
PRN – Com quanto tempo depois da chegada dele à cidade, senhora o conheceu?
MF – Quando eu o conheci, ia fazer um mês que ele estava aqui. Ele já estava quase desistindo de Mossoró por conta do calor, da comida. Ele não gostava de arroz de leite, feijão verde e da nossa paçoca porque ele dizia que arroz tinha que ser seco, feijão tinha que ter caldo e carne tinha que ser no garfo. Com um mês a gente se conheceu, em julho, e seis meses depois a gente casou. Ele não era só meu marido, era meu amigo, meu conselheiro, meu companheiro, meu incentivador. Ele era tudo o que eu queria, uma pessoa que eu sonhava para mim: um negrão, barbudo, inteligente, um senso de humor muito peculiar. A gente casou. Ele já tinha sido casado, tinha dois filhos, e os meus filhos eram pequenos. Na época eu trabalhava, eu sou professora, dava aula de Mecânica, eu também sou mecânica (fui a primeira mulher torneira mecânica formada pelo Senai em Mossoró). “Mor” é tudo que eu não sou: muito tranquilo, racional, muito prático. Eu sou muito ‘ avoada’, falo muito o que eu penso, eu não tenho papas na língua. Se eu dizia que ia fazer algo, ele logo me incentivava. Eu disse: eu queria fazer teatro, e ele dizia: vai lá. Meus filhos já são adultos, a gente tem 4 netas, a nossa filha caçula tem 20 anos, que é o xodó dele, ela faz Biomedicina, e quando aconteceu isso era ela que estava com ele no hospital.
PRN – Luiz ajudava muito aos alunos, histórias que vieram a público apenas após sua morte. O principal legado dele é esse de bondade e generosidade?
MF – Ele me ensinou a sempre servir sem esperar algo em troca. Isso era o que ele sempre dizia pra gente. Ele sempre dizia para mim: minha filha o que a gente leva da vida é o que a gente vive, o que a gente vê, e o que a gente aproveita. Era uma pessoa simples de coração.
PRN – Está completando um ano da partida de Luiz. O que tem sido mais difícil nesse período de saudades?
MF – Tudo. Não tem sido fácil ficar sem ele, não tem sido fácil. No nosso quintal tem um terraço, aí vou para lá, e às vezes estou chorando e minha filha pergunta o que foi. Respondo que não foi nada em especial. Foi muito inesperado porque no dia do evento, ele não estava em UTI. Nossa filha caçula estava com ele, e então ele fazia chamada de vídeo, a gente conversava, e estava indo bem, eu acho que estava. Pra mim ele aparentava estar bem. No dia 28, era uma 7h e minha filha Paula ligou, em chamada de vídeo dizendo que ele ia para a UTI colocar o respirador porque ele estava um pouco cansado, mas eu falei com ele, ele riu, disse que iria dar tudo certo. Eu respondi: está bom, Deus te abençoe. Aí desligou porque iam levar ele para a UTI. Aí minha filha mais velha foi buscar Paula no hospital. Eles demoraram e eu estavam começando a ficar preocupada. Daí, minha filha mais velha, que mora aqui próximo, chega aqui em casa e eu perguntei: cadê Paula? Ela respondeu: mãe, espera aí que vou conversar com você. Perguntei: o que foi? E a gente foi caminhando lá para fora e ela disse: a gente perdeu. Eu perguntei: perdeu o quê? A gente perdeu Luiz. E eu disse: como assim? Acabei de falar com ele, ele riu estava bem. Comecei a ficar sem forças, e não sabia se gritava, se chorava, se se escondia, se corria. Eu fiquei: o que vai ser de mim agora? Como vou respirar sem ele? Eu sou uma pessoa de natureza alegre, eu digo muito bobeira e nem isso eu tenho conseguido fazer.
Eu não me acostumei a viver com essa falta.
PRN – E como foi para cuidar da despedida, já que havia muitas restrições a velórios e sepultamentos?
GF – Minha filha disse assim: mãe, a gente tem no máximo 2 horas pra cuidar de tudo. Eu falei assim: meu Deus! Eu moro no Vingt Rosado, estava tudo deserto, e a vontade que eu tinha era de sair, correr, gritar. A gente foi na funerária e num instante pensei: preciso por um instante pensar como ele. Se ele estivesse aqui, ele ia sofrer depois, mas ele ia agilizar as coisas. Então fui na casa funerária comprar a urna pra mandar para o hospital. O pessoal da funerária entrou em contato com o pessoal do hospital e eles agilizaram. E a gente não podia nem chegar perto (do caixão). Hoje em dia já se pode acompanhar, fazer uma coisa e outra. Ele foi o primeiro, então não podia nada. Tem um posto perto do cemitério, eu fumo, mas nessa época estava sem fumar, voltei a fumar de novo, e eu vendo o posto comecei a dizer: pelo amor de Deus, me deem um cigarro, cadê meu cigarro, não estou aguentando mais! E esperando o carro da funerária passar para a gente acompanhar. E eu queria sair, queria andar, queria me jogar no meio da pista. Até hoje eu sinto um grito preso na garganta, faço terapia ainda, eu foco muito no meu trabalho, eu faço faculdade (estou tendo aulas on line) e tudo isso tem sido a base para eu não desmoronar de vez. Eu não me acostumei a viver com essa falta. Eu sempre dizia: todas as minhas amigas falavam mal dos maridos e eu nunca falava mal de ‘mor´. E elas diziam assim: e você não fala nada de Luiz não? Eu respondia: ‘mor é um anjo que veio aqui para a Terra em forma de homem, e me escolheu para ser a esposa dele, eu sou uma privilegiada. Eu lembro que a gente casou e logo depois minha mãe faleceu, e eu estava com a cabeça no ombro dele e uma amiga chegou e disse assim: Deus levou sua mãe, mas tratou de mandar um anjo para cuidar de você. Eu não esqueci nunca essa frase. Então ele era realmente um anjo em minha vida e continua sendo um anjo na minha vida. Ele é meu amor para a vida toda. Mesmo hoje em dia eu converso, na minha cozinha tem foto dele, eu sento lá, sempre sinto saudades das comidas que ele fazia para mim. Eu fico imaginando quando eu voltar para nossa casa lá em São Paulo, quando será quando eu chegar lá. Como que eu vou reagir? Não tenho a menor noção disso. Como eu digo a minha psicóloga: estou de pé, vivendo um dia de cada vez. Tem hora que bate o desespero, eu choro. Ah, não pode chorar… Gente, dor minha, que estou aqui, estou sem ele. Dói muito, é uma dor que eu não consigo nominar, dizer o tamanho, a extensão, a profundidade. É uma dor que vem de dentro e não sara. Está fazendo um ano. Pra mim, foi ontem. Eu sei que não estou louca, mas coloquei na cabeça que a qualquer hora ele vai chegar aqui.
PRN – A senhora disse que falou com ele minutos antes e que ele estava bem. Mas ele tinha sabia da real situação do quadro de saúde dele?
MF – Depois eu soube que ele mandou mensagens para amigos próximos para que se acontecesse alguma coisa eles cuidassem de mim. Ou seja, até o último instante ele se preocupou, me cuidou. Como diz minha filha, é muito amor envolvido. Até no final ele falou para um casal amigo nosso: acho que está muito complicada minha situação. Se acontecer o pior, ele pediu para cuidarem de mim. Esse casal me disse, posteriormente, que ele jamais queria que eu soubesse a gravidade. Ele era ciente disso, era muito inteligente. Ele sabia, mas não queria que eu soubesse. O interessante é que eu estava pronta para ir, porque já tive dois AVC´s (Acidentes Vasculares Cerebrais), tive infarto, então eu estava pronta para ir a qualquer momento, mas não estava pronta para ficar sem ele. A morte nunca foi um tabu aqui em casa. A gente conversava e eu dizia assim: ‘mor’ se eu morrer você só poderá casar com minha irmã, e ele ria. Minha irmã é igual e ele, calada, bem ao contrário de mim. Então, assim, eu estava pronta para ir, mas não estava pronta para ficar sem ele. Eu não estou pronta para estar sem ele.
PRN – E como está sendo para os demais: filhos, netos?
MF – Já essa semana, Júlia, essa que chama ele de amor, ela falou: vovó, amor faz falta né? Eu disse: é. Ela fica quieta e me abraça. Muitas vezes eu estou aqui no quarto e estou chorando e ela chega assim e diz: eu estou aqui, viu vovó? Isso é muito lindo. Interessante é que ele estava doente e até o dia que ele se internou a gente deitou juntos, e a Júlia vive aqui em casa porque minha filha trabalha e o pai dela também, então ela basicamente mora comigo, e ninguém pegou aqui. Coisa de Deus mesmo porque eu não aguento mais perder ninguém. Primeiro foi ‘mor’, depois foi meu irmão, em setembro foi um cunhado (ambos também para a Covid); na quarta-feira antes do Natal foi outro cunhado e fez um mês que faleceu um sobrinho dele lá de São Paulo (vítima de infarto). São muitas perdas e é tudo muito dolorido.
PRN – Quais eram os planos de vocês para o futuro?
MF – Em setembro tinha sido aprovado um espetáculo meu pela Terça Nossa, da prefeitura, e ele me ajudou a montar o espetáculo, que era o “Poesia e Putaria”, uma coisa bem assim para a gente dar risada, uma coisa mais leve, e em seguida eu lançaria meu livro, que é o “Degusta-me”, que tá guardadinho ali – ele é meu muso, continua sendo, todas as minhas poesias são para ele. Eu vou continuar escrevendo, tentar seguir, como ele gostaria que eu fizesse. Mas é tão difícil seguir a vida sem ele aqui. Eu não me preocupava com nada, tudo ele fazia para mim. Eu sempre trabalhei, mas não me preocupava com nada. Eu até brincava dizendo assim: meu dinheiro é meu e seu dinheiro é nosso. Algumas coisas que não tenho conseguido fazer quem faz é esse casal que ele pediu para cuidar de mim, então ele soube me deixar amparada. Ele não queria se aposentar, a gente tinha outros planos, mas quando ele se aposentasse a gente ia comprar uma chácara. Ele não quis se aposentar agora, embora já tivesse com idade e tempo de serviço, mas como ele dizia, tinha alunos que precisavam dele. Ele gostava muito de viajar e a gente tinha programado de setembro do ano passado ir para o Jalapão, seria o aniversário de Maria Clara, de 15 anos, e ele havia prometido isso a ela. E ela me perguntou: mainha, quando a gente vai: e eu respondi a gente não vai mais. Porque a gente viajava com elas, elas ficavam nos hotéis e a gente ia fazer trilha, era muito massa. Perdeu o sentido.
PRN – Luiz foi nossa primeira vítima no RN e hoje nós temos mais de 4 mil vidas perdidas em nosso Estado e no Brasil já são mais de 300 mil. Falta atenção às famílias que foram tomadas por essas perdas tão grandes e importantes?
MF – Quando ‘mor’ faleceu eu recebi o apoio da instituição onde ele trabalhava, a prefeita me ligou, a governadora, mas ninguém se preocupou de fato, de saber como é que eu estava. Ninguém facilitou para eu fazer exame, tive que pagar do próprio bolso, quando pude. Quando aconteceu isso eu não tinha pensão, não tinha meu marido mais. Eu tive a ajuda desses alunos que ele ajudou. Eu estava de quarentena, ele se internou dia 21 de março, e quando ele faleceu, que minha filha voltou para casa, entrei de quarentena de novo, e ninguém se preocupou com isso. Então, foram minha família, amigos e os alunos dele que faziam compras, que vinham deixar aqui em casa, deixavam lá fora e a gente pegava. Eu tinha contas para pagar, e não tiveram a sensibilidade de facilitar exames. Eu, quando pude, fui fazer, pagando. Até agora não tomei a vacina, tenho 54 anos, mas tenho comorbidades. E é tudo muito complexo. Em morro de medo de sair na rua, acho que estou ficando mais branca do que o que sou. Quando saio, saio de touca na cabeça, tenho muito medo, e eu não sou medrosa, mas realmente estou apavorada. Meu genro teve a Covid, ficou de quarentena tomando medicação, esteve bem mal, mas graças a Deus ontem foi fazer um novo exame e deu que tinha passado. Ele trabalha com umas médicas e elas pediram para ele fazer o exame e deu positivo. É tão difícil. Já perdemos tantas pessoas, não aguento mais, pessoas que a gente conhece, seu Augusto da Livraria Independência, Felipe Caetano, Valney Moreira. Meu Deus, quando isso vai passar?
PRN – Nessa pandemia temos percebido o quanto tem faltando empatia às pessoas. Nesse contexto, um Luiz faz muita falta?
MF – Demais porque tenho certeza absoluta que se ‘mor’ estivesse aqui a gente estava com algum projeto. Não sou muito ´peituda´ para isso, eu ia na aba dele. Às vezes eu dava a ideia e ele executava. Teve uma época que ele fazia umas caminhadas depois da UERN e ele me carregava e as crianças e a gente passava e tinha um monte de crianças brincando e ele dizia: minha filha faça uns bolos para a gente trazer para esses meninos e os meninos ficavam tão felizes!
A poesia que ele fez para mim era o que enfeitava a mesa.
PRN – É verdade que ele fez uma poesia para a senhora?
MF – A gente casou na igreja em 2015, na Ponta do Mel, numa igrejinha que tem lá, igrejinha simples. Depois ele fez um ritual com os 4 elementos e a poesia que ele fez para mim era o que enfeitava a mesa. Ela dizia assim:
Quando as ondas pararem no mar
Assim como parou em você meu olhar
Fugidio, aflito
Querendo ver sem ser visto
Quando o vento que assobia,
Refresca o calor
Traz saudades das praias, maresia
Em teu ouvido sopra flor
Toda a minha alegria
De ser por ti amado
Sem cobrança e sem ironia
Tal qual o amor da onda pela praia
Da folha pela ventania
Que só se tocam de leve
Em enorme correria
E depois se vão, sem lamúria
Escorrendo pelos dedos,
Como areias frias
No eterno ir e vir
E fim do amor sem fim.
Essa poesia ele fez para mim e o nome dela é “Minha primeira paixão. Fui a primeira e única. Então Isso me dá um cacife muito grande no coração dele. Isso é o que me dá forças para continuar de pé. É ter a certeza do quanto fui amada, do quanto sou amada, porque até o último suspiro ele cuidou de mim, ele me protegeu. Então isso é o que fortalece e ao mesmo tempo me enfraquece porque não tenho esse cuidado aqui físico, mas sei que de onde ele está ele está cuidando de mim, está cuidando do meu sono, e eu vou chorar toda a vida. Dias desses, conversando com padre Guimarães eu disse: padre Guimarães nunca imaginei que eu tivesse tanta lágrima. Mas vou indo, vivendo um dia de cada vez, tentando me manter de pé.
PRN – A covid tem levado as pessoas sem que elas tenham tempo sequer para um último adeus. O que a senhora diria para as pessoas agora?
MF – Eu falo sempre assim: a gente nunca deve perder a oportunidade de dizer para o outro: eu te amo, você é importante para mim, você faz parte da minha vida, sem você eu não sei viver. A gente dizia muito isso um para o outro. Lembro que quando disse para ele: amor, fica bom logo, você sabe que não sei fazer nada sem você. E ele disse assim: vai dar certo. São coisas tão simples que a gente não deve esperar acontecer o pior. Nesse sentido, eu sei que não deixei de dizer porque eu dizia todo dia, todo dia. Eu dizia sempre: eu não sei o que vai ser sem você, mor, você é o ar que eu respiro. Então a gente não pode deixar de dizer isso para o outro, seja para o pai, para a mãe, para o marido, para a esposa, para o filho: eu amo você, você é muto importante para minha vida. Às vezes, a gente não sabe o que vai acontecer no minuto seguinte. Eu lembro que quando meu irmão estava internado, ele falava e eu dizia: não fala, economiza ar. E ele: não, estou bem. Aí ele foi entubado e o pessoal lá disse que ele tinha dito a minha cunhada: eu não vou morrer não. ‘Mor’ não sofreu como meu irmão. Meu irmão foi entubado, fez traqueostomia. Mas do que nunca eu digo: se cuidem. Isso é um ato de amor também. Você se cuidando você cuida do outro. Eu não desejo, do fundo do meu coração, a ninguém essa falta que eu sinto. Essa dor que não tem explicação. Então é isso: se cuidem. Se cuidar é um ato de amor. Se cuidem, se protejam.