Crônica

A SECA DE 58

Grupos de homens pelas ruas, roupas e calçados rústicos. rostos crestados pelo sol. Às costas, grandes sacos, feitos de tecido grosseiro de algodão. Não ameaçavam saquear o comércio. Ao contrário! Nos sacos levavam a comida com quais alimentariam a família. Os cassacos, como eram chamados, eram pessoas vindas de muitos lugares, principalmente da periferia das cidades e das zonas rurais da região para as “obras da emergência” do Governo Federal, então sob a presidência de Juscelino Kutitschek, realizadas nos diversos estados nordestinos como uma forma de sustentação mínima daqueles que, em uma das secas mais rigorosas da história, não tinham outro jeito para sobreviver. O objetivo era, também, evitar a convulsão social que vem na esteira de situações semelhantes. Nesses momentos, não só as famílias que vivem diretamente da agricultura e pecuária são afetadas, mas toda a cadeia econômica regional, dependente da produção da terra na estação das chuvas, chamada genericamente de inverno.

A obra em Mossoró era, especificamente, a construção de uma estrada de piçarra ligando o Porto Santo Antonio ao bairro das Barrocas. Resquícios dessa estrada são percebidos, aqui e ali, pelo contraste entre o barro vermelho, repleto de pedras miúdas e a areia fina e branca da várzea. É discutível se alguma vantagem resultou para o percurso daqueles poucos quilômetros em relação aos caminhos abertos no chão natural nos bons tempos do porto. Se, nos períodos chuvosos, quando as estradas de terra apresentam as maiores dificuldades, aquela estrada de barro não tinha o mesmo problema ou até problema maior. Além disso, logo depois o uso do porto começou a diminuir, até desaparecer completamente.

Mas, naquele momento, a construção era o grande movimento na cidade. Não se vira em muitos anos estio de tal magnitude.  O Rio Mossoró era perenizado no percurso dentro do município por pequenas barragens: a do Saco (Barragem de Genésio), a do centro da cidade, a das Barrocas e a de Passagem de Pedras. Naquele ano, entretanto, não restou uma gota sobre a areia de seu leito. Esse leito era, então, escavado em muitas cacimbas para a retirada do que permanecia na parte superior do freático, últimos recursos para obter água, pois mesmo os reservatórios particulares, as cisternas, que havia em todas as casas que podiam tê-las, também secara.

Importados de outras regiões, os víveres fornecidos em barracões montados nas frentes de trabalho acrescentaram ao cardápio mossorense o feijão preto, até então pouco conhecido aqui onde o hábito se fixava no feijão mulatinho (feijão de arranca) e no macassar, verde ou seco, o popular  feijão de corda.

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