A Casa Grande fala, o Capitão do Mato age
Estamos caminhando em passos largos para alcançar o topo da pirâmide da pandemia do novo coronavírus. No momento em que estou escrevendo, já estamos em segundo lugar em número de casos e o quarto lugar em óbitos. Triste escalada para um país que é referência mundial no combate ao HIV/aids. Por que tanta disparidade?
Não irei fazer um comparativo entre o HIV/aids e o coronavirus. Citei apenas para lembrar o pioneirismo do país no combate, tratamento e a responsabilidade do poder público em relação ao primeiro caso, situação inversa ocorre para o segundo caso.
Mas o que esperar de um governo que a cada dia demonstra menos apreço pela vida das pessoas? E o mais grave é que nos Estados e municípios se reproduzem na prática a retórica da Casa Grande, quando se editam novos decretos que levam gradativamente ao fim do isolamento.
Governadore(a)s e prefeito(a)s tem pleno conhecimento da expansão da pandemia, mas se subjugar à classe empresarial é mais vantajoso que ouvir o clamor, por exemplo das famílias de profissionais que estão à frente no combate à pandemia. Quem suporta a pressão de uma FIESP ou no caso de nosso Estado de uma FECOMÉRCIO ou FIERN? Por que desagradar à Casa Grande, se se alimentam das sobras de seu menu? Para citar apenas um exemplo da obediência do discurso lá de cima, o Rio Grande do Norte já atingiu o número de 8.233 casos confirmados e 341 óbitos, e na entrevista concedida no sábado (30/05), o secretário de Estado da Saúde Pública, Cipriano Maia, informou que “Estamos apenas no início da subida da curva. Os números são cada vez mais preocupantes”, e finalizou a entrevista informando que a retomada da “normalidade” já está planejada pelo Governo do Estado. Confesso que não entendi. Como pensar numa volta à “normalidade” se estamos em pleno pique da contaminação? Como convencer as pessoas a obedecerem ao isolamento se o próprio governo já fala em volta à “normalidade”?
Quem fala diariamente em “normalidade” é o senhor da Casa Grande, colocando a economia como mais importante que a vida das pessoas. Tal discurso nos Estados e municípios é posto em prática através dos decretos que autorizam a volta gradativa de algumas atividades econômicas, uma obediência cega às representações do setor empresarial.
Várias instituições já entraram com pedidos junto à Justiça para que o governo do RN decrete o lockdown em Natal e área metropolitana e Mossoró, e não vemos nenhuma ação mais radical ser adotada pelo governo, que tem se limitado a ser um repassador de estatísticas para a população. Todos os dias o secretário convoca uma coletiva para repassar dados sobre contaminados, leitos e óbitos, termina pedindo a cooperação da população e reconhecendo que a situação é cada vez mais grave.
Enquanto o setor empresarial diariamente contabiliza ganhos e perdas em suas receitas e despesas pressionando o governo a flexibilizar o isolamento, o governo mantém seu discurso de preocupação, porém obedecendo cegamente às ordens da Casa Grande – Brasília, FIERN, FECOMÉRCIO, etc., e fazendo ouvidos de mercador em relação ao clamor do(a)s que estão sofrendo com a contaminação e perda de seus entes queridos.