CRÔNICA

LER JORNAL

Pelos poucos que ainda circulam, os jornais impressos não estão na lista das coisas que existiram no passado. Mas uma atmosfera de despedida envolve os remanescentes e eles seguem como que em uma fila caminhando para uma fronteira no tempo e, uma vez que a ultrapassam, desaparecem como um ponto luminoso que simplesmente apaga.

Com a significativa mudança na apresentação muda também a sensação de ler jornal. Os meios eletrônicos oferecem ao leitor a certeza da disponibilidade permanente do texto. Pode-se voltar a ele quando se quiser ou for necessário. Isso tende a ser uma vantagem. O jornal em papel, depois de lido virava descarte, servia para enrolar prego ou sabão, nas bodegas, quando não tinha destino ainda menos digno, na época em que alguns costumes de higiene eram menos difundidos. A expressão “jornal de ontem” significava algo que já não despertava interesse. A periodicidade que os caracterizava (não por acaso eles eram chamados de periódicos) passa a ser, no que se refere à notícia propriamente, uma linha contínua que condiciona o acompanhamento permanente ou, como isso é impossível, a falsa impressão de se estar desatualizado, qualquer que seja o intervalo que se faça na consulta aos novos meios de divulgação.

Mas a experiência emocional da leitura do jornal tradicional começava com a ida à banca ou a abordagem do vendedor itinerante; o encontro com outros que partilhavam o mesmo hábito; a curiosidade desperta com as manchetes de primeira página; o cheiro do papel e tinta recém-saídos da impressora. Dobrar a página de modo a coincidir com o vínculo no papel era um exercício de paciência para o leitor mais organizado ou obsessivo. Era comum que a leitura não fosse um ato solitário. A atitude do “sócio” que se colocava atrás, lendo por sobre o ombro de quem segurava o jornal, em pouco tempo evoluía para a “petição” de uma parte do exemplar desorganizando o caderno ou até a leitura do “leitor principal”. Este administrava a situação conforme seu nível de educação e polidez. Mas isso não era, necessariamente, motivo de aborrecimento. Podia ser também oportunidade de convivência, o prazer de discutir as novidades, expressar e ouvir opiniões, mostrar-se atualizado, bem-informado.

Coisas e pessoas se sucedem continuadamente na face da terra. É o natural. Tudo começa, se desenvolve e termina. O último a sair apaga a luz. O último jornal de papel a deixar de circular precisa escolher com cuidado a manchete de primeira página que assinalará o fim de uma época. Entre muitas possíveis deixo esta como sugestão: Obrigado, Gutenberg!

Notícias semelhantes
Comentários
Loading...
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support