CRÔNICA

VESTIR O PIJAMA

A ideia da aposentadoria parecia iniciar-se no dia em que se começava a trabalhar. Não por pressa de chegar à velhice. Nem se pensava nela. O imaginado era o momento em que se poderia fazer o que quisesse do seu tempo, simbolicamente representado como tempo de vestir o pijama. A imagem do pijama é interessante porque reflete também um hábito dessa época, o daqueles conjuntos de calça e camisa listrados, folgados na medida do conforto, completados pelas sandálias, comuns ou do tipo pantufas para os que tinham pretensões a personagens de filmes europeus ou norte-americanos.

O pijama foi trocado pela bermuda e camiseta, vestuário mais versátil que permite sair à rua, ir ao supermercado, à farmácia ou ao bar da esquina, quando o outro, mais íntimo, apenas possibilitava sentar-se em uma cadeira de balanço na área da casa, no máximo na calçada, para ler o jornal.

A realidade atual é menos compatível com a imaginação do ócio pleno. Não que não se continue esperando completar o tempo necessário para deixar oficialmente o trabalho, sempre de olho nas reformas e reformadores que a toda hora avisam ser necessário mudar o sistema, ora porque a longevidade do brasileiro cresceu, apesar de tudo; ora por mudanças que interferem com as fontes de custeio. Razões não faltam.

É preciso continuar trabalhando porque a competição no mercado para os jovens não mais se satisfaz com o aprendizado de uma arte, uma boa formação de nível médio ou um diploma universitário. É necessário fazer especializações e depois, especializações de especializações, e chegar cada vez mais tarde no mercado de trabalho, quando então estarão no sistema como mantenedores da tranquilidade dos que lhes antecederam.

Mas, há um cenário mais complexo em que os especialistas dos especialistas precisam migrar para outros países, por particular vontade ou forçados pelas circunstâncias que transferem as oportunidades de carreira para esses outros países, geralmente os que já são economicamente mais fortes, tornando-os ainda mais fortes e empurrando os de economia intermediária para a periferia e os da periferia para onde não se sabe.

E a ideia do pijama, ou conjunto bermuda e camiseta, é substituída pela do trabalho extra, na antiga profissão ou em trabalho novo, descoberta de novas habilidades ou ativação das que sabia possuir, mas não rendia o suficiente, agora quebrando o galho como complemento de renda. Um dia, talvez, a moda retorne, e o pijama, com suas listras e ar de intimidade, volte a ser vestido.

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