CRÔNICA

VALE QUANTO VOA

Ainda falando de expressões e ditos populares, de sua relação com a cultura em que têm origem e da qual fazem parte. Da prevalência, extinção ou modificação, com o tempo, desses provérbios, muitos deles difundidos por várias gerações.

“Mais vale um pássaro na mão do que dois voando” é um desses ditados ainda prevalentes, embora as circunstâncias em que se originou a expressão sejam bem diferentes. Traduz ensinamento que chama atenção para o risco de se buscar algo grandioso, mas tendo de abrir mão de alguma coisa que, embora mais modesta, sua posse está assegurada. Trocar o certo pelo duvidoso. A advertência pode, também, simbolizar atitude conservadora: preferível valorizar o que se tem a aventurar-se com o desconhecido.

Mas, houve tempos em que criar pássaros era percebido apenas como um ato de amor àqueles bichinhos. Tê-los por perto, apreciar a beleza de suas plumagens coloridas, ouvir seu cantar, especialmente nos inícios das manhãs, conferindo à casa uma alegria de que, talvez, fosse carente por outros motivos, ou completando a harmonia já existente naquele lar. Os mais encantadores, mais coloridos, canto mais harmonioso, por isso mesmo corriam o maior risco de serem confinados a uma gaiola. Que ficavam penduradas nos terraços, no interior da casa ou em árvores, no quintal, exibindo negras graúnas, dourados canários, galos de campina, golinhas, pintassilgos, cardeais, ferreiros, cancões. Alguns desses pássaros, quando, por alguma razão, se adaptavam ao ambiente, podiam ser criados soltos, saltando e cantando em jardins ou em lugares até menos prováveis para ambientação de uma ave, como balcões ou prateleiras de bodegas.

O costume de engaiolar passarinhos era visto com naturalidade. Que submetia a compreensão sobre a condição natural desses seres e a beleza de seus voos livres sob o céu azul ou sob o cinza da neblina. O encanto de suas cores no meio de todas as cores das matas. Do concerto de sons de todas as espécies existentes em determinados lugares, não apenas outras aves, mas, também, grilos, cigarras, sapos e aqueles tirados pelos ventos, das folhas de todas as árvores.

O hábito da criação de pássaros ainda existe, mas, agora, submetido a restrições. A responsabilidade ecológica antes de tudo. O provérbio pode continuar como sempre foi. Afinal encerra uma moral sobre a precaução que conforme a situação pode ser necessária. Mas, a consciência ambiental aponta para a compreensão de que, mais do que um pássaro na mão, valem dois ou quantos mais possam voar.

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