Minha Opinião

Soylent Green – No mundo de 2020

“Ó Deus! Que Deus senhor Roth, que Deus? Onde vai encontrá-lo?”

O diálogo acima ocorre entre dois personagens do filme que dá o nome ao título do artigo. O filme foi lançado em 1973, e ainda muito jovem tive a oportunidade de assisti-lo. Confesso que sai do cinema assustado com as cenas e a ideia do mundo futurista. As cenas nunca saíram de minha cabeça. Sempre me perguntava se estaria vivo em 2020 e se presenciaria situações como aquela. Mesmo que a história se passasse em Nova York, acreditava que a situação no restante do mundo e, em especial no Brasil poderia ser semelhante.

No mundo de 2020, a trama mostra um cenário de fome, miséria, desemprego, violência, corrupção, moradias precárias, falta de saneamento básico, enfim, uma sociedade no ápice da desigualdade social. O aquecimento global levou ao aumento do calor e a destruição da natureza, o pequeno número de árvores sobreviventes ficava em uma espécie de santuário.

O alimento básico do nova-iorquino (trabalhadores pobres) era uma espécie de biscoito verde chamado de Soylent Green. Já os ricos tinham acesso à bebida boa, comida de verdade e moravam em luxuosos condomínios com direito à segurança privada e outras benesses.

A vida das pessoas não tinha valor, homens, mulheres e crianças perambulavam pelas ruas e quando morriam, sequer eram veladas. Se alguém desistia da vida poderia procurar uma espécie de asilo, onde se poderia morrer assistindo a um vídeo de elementos extintos da natureza como paisagens, animais e ouvindo sua música preferida. Qualquer tipo de manifestação popular era imediatamente rechaçada pela polícia que utilizava o limpa-ruas – uma espécie de caminhão de lixo com retroescavadeira – que recolhia os revoltosos e jogava-os em sua caçamba. O filme mostra uma sociedade resultante da destruição dos recursos naturais e a omissão do Estado e da população em relação a necessidade de se fortalecer as políticas públicas de sustentabilidade e preservação dos recursos naturais.

O Soylent Green – Biscoito Verde – é um concentrado em formato de tablete fabricado para substituir as refeições tradicionais, haja vista os poucos recursos naturais para produzir alimentos para toda a população. O alimento era feito de plânctons retirados do oceano, conforme as autoridades governamentais.

O filme reforça uma violação constante aos direitos humanos básicos e em relação às questões de gênero mostra um retrocesso, pois fortalece a discriminação contras as mulheres que são apresentadas no filme com simples “mobília” nos apartamentos de luxo dos ricos inquilinos.

Uma das expectativas criadas por mim quando assisti ao filme era se chegaria em 2020 vivo. Cheguei, e uma das primeiras coisas que decidi logo no início do ano é que assistiria ao filme e tentaria comparar minha reação com a de quatro décadas atrás. Assisti ao filme e as cenas vieram em minha memória tal qual havia visto em 1974.

As cenas que mais me marcaram foram as que os limpa-ruas recolhiam as pessoas revoltadas, os cadáveres sendo recolhidos em caminhões de lixo e a alegria do detetive Thor (personagem interpretado pelo ator Charlton Heston) ao comer pela primeira vez carne de verdade.

Retornei ao filme neste final de ano e fiz uma retrospectiva. Seria muito bom que nossa classe política assistisse. Sei que de nada adiantaria, pois a ambição, o egoísmo, a subserviência e a hipocrisia estão acima da racionalidade e compromisso com o social.

Em 2020 o mundo sucumbiu à pandemia do coron vírus e com ela o isolamento, o distanciamento, o medo e as mortes, muitas mortes. Amigo(a)s, colegas de trabalho, familiares, desconhecido(a)s, mas acima de tudo, gente. Gente importante para outra gente.

Além da pandemia, o aumento da pobreza, da miséria, da violência, do desemprego, tudo em nome do progresso, da modernidade, dos interesses do capital especulativo e destruidor. Nesse sentido, é falsa a ideia de progresso quando se está diante de um avanço da tecnologia obedecendo cegamente a economia de mercado ao mesmo tempo que amplia em passos largos a degradação dos recursos naturais em nome desse mesmo mercado.

Retorno ao filme e repito a frase de um dos personagens, “como chegamos a isso?”. Não devemos esperar a catástrofe enunciada no filme para fazermos a referida indagação, pois correremos o risco de termos num futuro não tão distante apenas Soylent Green como alimentos.

Ai sim, se chegarmos a esse estágio, iremos conclamar: “Ó Deus! Que Deus senhor Roth, que Deus? Onde vai encontrá-lo?”. Não encontraremos, pois Ele terá saído de cena.

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