Seria Jerusalém o avesso, do avesso, da gentrificação?

POR: Ludimilla Oliveira – Reitora da UFERSA

Fenômeno que tem se evidenciado no espectro urbanista, com a reinvenção das vivências espaciais, sobretudo orientadas pelo embelezamento estratégico, a gentrificação, tem sido percebida por meio das intervenções, delineadas em diferentes frentes: quer seja pela renovação, revitalização, requalificação e até mesmo pela criação de novos espaços. Tal realidade, tem sido vista no Brasil e em outros lugares do mundo.

Partindo dessa consideração é provável que inúmeras das experiências de renovação e ou revitalização dos espaços urbanos no Brasil, tenham promovido a valorização dos locais. Mas, é oportuno também refletir que não só o processo de valorização e especulação imobiliária pode vir à tona, todavia o fluxo de pessoas num determinado local pode até aumentar e esse processo vai impactar diretamente na cultura. À medida que, segrega o lugar inserindo novas formas de uso e de ocupação, como exemplo nesses casos: o marco zero de Recife-Pe, a Avenida Rio Branco em Mossoró- RN, o Pelourinho em Salvador-Ba, dentre outras experiências.

O argumento parte do mote, de que a metamorfose de um lugar representa a mudança do mesmo, em relação a sua função, isto é, o lugar em sua essência não deixa de existir, mas passa a ser visualizado sob  a égide de uma funcionalidade que permite agregar: atividades econômicas; atividades sociais e  atividades culturais.

A cidade de Jerusalém em Israel, desafia os preceitos da gentrificação.  Já que, as centralidades ali existentes não estão alinhadas com intervenções urbanas, e sim com a conservação da memória e da história de um povo. Todavia, os liames que definem as sociabilidades, ultrapassam as premissas norteadoras de outros espaços. Um reflexo dessa disparidade, é mesmo um passeio pela Avenida Alrov Mamilla. Local arrojado, sofisticado, e que reúne um público seleto, para viver o novo misturado com velho. Pois, as dinâmicas ali produzidas, são fruto do fluxo vivido dentro dos muros da Jerusalém antiga.

A proximidade com o Portão de Jaffa, como acesso principal, integralizou um espaço novo com uma já existente realidade, que do contrário de outras experiências, não precisou ser reinventada, mas unicamente preservada. Isto é, a requalificação espacial em Jerusalém, não vai ocorrer pelas novas centralidades. Mas, sobretudo pela preservação milenar da cultura, abrigando às diferenças num mesmo espaço. A segregação nesse caso, faz parte das tradições entre os povos, e não do efeito promovido pela valorização imobiliária ou até mesmo das centralidades produzidas, isso nos chama à atenção.

Então, o embelezamento estratégico, nesse ínterim seria uma mola propulsora para a recorrência do fenômeno em escala mundial. Entretanto, à cidade cercada por muros, de um modo geral conhecida por isolar dinâmicas sociais, posteriormente reinventada na modalidade de condomínios para enfrentar problemas como a violência, acabou no caso de Jerusalém, orientando uma produção espacial que pretere regras e qualificações determinadas urbanisticamente. Por isso, estaríamos diante do avesso, ao que é avesso a gentrificação e seus desdobramentos nessa óptica espacial. Tendo em vista, que no universo das transformações urbanas e suas funções nem sempre é preciso mudar para qualificar. E, isso nos leva a concluir que a história do lugar, é mesmo construída pelo lugar da história.

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