CRÔNICA

SE SONHAR O BICHO PEGA

O costume é nacional. O jogo do bicho, ignorando questionamentos, atravessa gerações desde tempos imemoriais, quando o Barão de Drummond teve a ideia da loteria zoológica que virou algo cultural. Gerou expressões como “do primeiro ao quinto” para designar algo que vai de uma extremidade a outra de um conjunto de possibilidades; “acertou na cabeça”, significando prognóstico preciso sobre qualquer fato; “deu zebra”, que quer dizer desfecho inesperado de alguma coisa. A autoria dessa última é atribuída ao antigo treinador de futebol carioca Gentil Cardoso, que comparava o resultado esdrúxulo, mais que improvável, de uma partida, com o impossível sorteio de um bicho não constante do painel de 25 que vai, por ordem alfabética, de avestruz a vaca.

Em Mossoró os intermediários de apostas nesse jogo eram chamados de “cambistas”. Talvez ainda sejam, mas, atualmente, predomina a prática do ponto fixo onde eles aguardam a presença dos apostadores. Antes, o cambista circulava entre bairros vizinhos com seus indefectíveis bloquinhos de papel e um pedaço de folha de papel carbono entre duas páginas em que registrava o número correspondente ao palpite do aspirante a um prêmio. Prêmio que aumenta de valor de modo inversamente proporcional à probabilidade de ganhar, como é em qualquer um desse tipo de jogo.

O sorteio usava e usa “por empréstimo” os números da Loteria Federal, que por ter reconhecimento oficial, não carrega o estigma marginal atribuído ao concurso patrocinado pelos chamados “banqueiros do jogo do bicho”. Cada bairro tinha um cambista que lhe era familiar. Podia haver mais de um, e eram esperados às vezes com certa ansiedade por habituais clientes que não queriam esquecer o sonho daquela noite, sonho que sugeria (ou mesmo “garantia”) determinado bicho “na cabeça” e, melhor ainda, certa “milhar” com ele relacionada, na extração da tarde ou da noite.

Os cambistas davam palpites. Ou informavam o bicho mais “carregado”, com maior número de apostas naquele dia para facilitar a decisão do apostador. Entre conhecidos, havia os “especialmente capacitados” a interpretar sonhos. Nunca se testou objetivamente a precisão desses vaticínios, mas, afinal, mesmo o futebol, que só permite 3 resultados, não raro decepciona a previsão dos “especialistas”. Sempre é possível dar uma explicação para o erro. Como o sujeito que sonhou com o cavalo do compadre, jogou e deu jacaré. Posteriormente, encontrando o compadre, conversa vai, conversa vem, ficou sabendo que o nome do cavalo era jacaré. Não foi um erro de interpretação, mas falta de informação.

Notícias semelhantes
Comentários
Loading...
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support