CRÔNICA

O FASCÍNIO DA ORATÓRIA

O Conselheiro Acácio de “O Primo Basílio” e o Professor Astromar de “Roque Santeiro” são exemplos da oratória envolvente que dava àqueles que dominavam a arte da retórica, aprendida desde os tempos da Grécia antiga, status de celebridade, de indivíduo superior, nos salões da sociedade e salas acadêmicas. A oratória pomposa, completada por gestos e tom de voz apropriados ao sentido particular que se queria tirar de cada frase ou palavra, encantava ou cansava os convivas, mas a ninguém passava pela cabeça desrespeitar (pelo menos na presença e no momento) aquele cuja autoridade derivava de conhecimento e cultura inalcançáveis aos comuns mortais e sobretudo da capacidade, elegância e garbo com que transmitia esse conhecimento: o grande orador.

Mas a admiração a esses mestres do palavrório não se restringia ao ambiente formal em que conveniência reverencia e sublima a tolice em proveito de todos. Por mais simples que fosse o lugar, até na informalidade de mesas de bares a linguagem chula prestava homenagem ao discurso empolado. Os mais espertos ficavam de oitiva e quando algum “intelectual” cometia um vocábulo, digamos, mais ortodoxo, tratava de arranjar uma oportunidade para usá-lo, não importando o contexto, mesmo sem segurança quanto ao significado e correndo o risco de ofender involuntariamente o interlocutor. Era comum a figura dos que não perdiam oportunidade para fazer um discurso, o “Peço a Palavra!” em pessoa. Pedia e não largava, alguns pela capacidade de se empolgar com que o que diziam, outros por não saber por onde terminar.

A linguagem rebuscada naturalmente é uma distorção da boa comunicação, da expressão de uma ideia ou informação por meio de raciocínio lógico e linguagem clara e simples. Que em alguns é arte, desenvolvida naturalmente, mas que pode ser aprendida, principalmente pela prática da leitura ou mesmo pela observação criteriosa do que se ouve e se vê para, quando necessário, transmitir de modo natural conteúdo que, de fato, domina.

A figura caricata do Conselheiro Acácio é coisa de antes. Sua oratória ataviada e vazia, entretanto, adaptou-se aos tempos e meios atuais de transmissão e aparece em manifestações de figuras expressivas e até especialistas em diferentes áreas, sob a forma de falas que se estendem e se enredam sem abordar a questão principal. Quanto ao Professor Astromar, não foi à toa que o Lobisomem conquistou até a dançarina da boate de Matilde.

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