CRÔNICA

NO TEMPO DOS TELEGRAMAS

O uso de abreviaturas não é algo novo. É comum na escrita convencional, por exemplo em expressões de tratamento formal, especialmente de autoridades e em tantas outras situações que permitem ganho de tempo e espaço sem prejuízo à compreensão e à sintaxe. Um campo particular dessa prática era a comunicação através do telegrama, um tataravô da internet, no sentido da instantaneidade do recado, a forma mais rápida de transmitir a longas distâncias algo que precisava chegar ao conhecimento do destinatário com a maior brevidade e na impossibilidade do telefone, cuja disponibilidade era a exceção. O Código Morse era a linguagem entre os operadores dos Correios e estes passavam para o papel o conteúdo da mensagem que seria entregue ao destinatário, porém com a estrutura literal recebida. Aí você era simplesmente “vc”, ponto era “pt”, vírgula era “vg” e por aí vai. E além das palavras, as frases também eram podadas, sem preposições ou qualquer outro elemento gramatical que caracteriza uma frase completa, desde que a compreensão da mensagem fosse preservada. A razão desse recurso era o custo monetário do telegrama, proporcional ao tamanho do texto. A urgência do seu conteúdo justificava a escolha, mas o valor a pagar obrigava a economia de palavras.

Entretanto, nessa época, o uso da chamada linguagem telegráfica era restrito a essa necessidade, em outras palavras, não fazia parte da rotina de conversas escritas entre pessoas distantes. Essa rotina era a das cartas, que podiam ter, e geralmente tinham, textos longos e, ao contrário, preocupados com o rigor gramatical e o uso de vocábulos elegantes, tanto que, muitas vezes, pessoas com dificuldade de escrever, e não me refiro ao analfabeto que não conseguiria fazê-lo de nenhuma forma, mas àquelas pessoas com alguma limitação de passar para o papel o que queria ou precisava escrever, sem os riscos de incorrer em erros grosseiros, essas pessoas, repito, recorriam  a outras mais preparadas para redigir suas cartas.

A utilização de escrita reduzida, portanto, não é problema. O problema está no excesso do recurso, em alguns casos beirando linguagem cifrada, excludente dos não iniciados no tipo de comunicação, especialmente se a confusão de interpretação puder levar a um risco concreto. Ou, por outro lado, na perda completa da referência linguística formal correta, que será cobrada a cada um nas situações profissionais e civis em que precisem entender um documento. Exceto, claro, aqueles que ganham fortunas sem necessidade de mínima intimidade com o vernáculo. Estes têm até permissão de eliminar a gramática, espécie de agente 007 literário.

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