MOEDA EM PAPEL DE CIGARRO
Ela existia indiferente a reformas monetárias, inflação, flutuação do câmbio, bolsa de valores e boatos da política. O valor da moeda feita com o papel de embalagens de maços de cigarros era atrelado à dimensão dos sonhos. Sonhos de crianças que aderiam a seu modo a um capitalismo diferente em que para tornar-se rico bastava captar o que a sociedade desprezava como lixo.
Não havia, também, necessidade de decreto para se estabelecer o valor de cada nota, correspondente à marca de cigarro. Porém, aqui, de certo modo havia uma subordinação e associação não deliberada ao capital formal. Embalagens de marcas mais dificilmente encontradas tinham maior valor. Não por acaso, essas correspondiam às marcas de cigarros mais caras, portanto, consumidas por menos pessoas.
Encontradas as embalagens usadas, abandonadas em qualquer lugar, a mostrar que o péssimo costume de jogar lixo na rua é coisa antiga, só havia o trabalho de desmontar suas colagens, transformando-as em folha do comprimento aproximado de cédulas oficiais, fazer pequenas dobras nas bordas e juntar as notas umas sobre as outras, dobrando-as como se faz usualmente com o dinheiro comum para se colocar no bolso. A quantidade de “dinheiro” juntada servia para se fazer trocas ou simplesmente para exibir fortuna, mais uma semelhança com o mundo adulto.
Apesar disso, era uma brincadeira. E as crianças se divertiam, como é próprio do mundo infantil, que só precisa de um mínimo para exercitar a imaginação e viver essa importante fase da vida. Com o tempo, o “dinheiro” findava mesmo no lixo, sujando o planeta como cigarro contido naquelas embalagens já sujara o pulmão e outros órgãos do consumidor. Mas, não havia tempo nem razão para aquelas crianças pensarem sobre isso se o adultos, que, para elas, sabiam de tudo, ignoravam essas coisas.
Esse capitalismo de faz de conta sucumbiu ao capitalismo de verdade que intensificou a produção industrial de brinquedos, pensados para ter maior apelo no interesse infantil, mas não é disso que se quer falar. A brincadeira do dinheiro de papel de cigarro foi contemporânea das coleções de estampas ou de figurinhas (super-heróis, jogadores de futebol), estas compradas com dinheiro real, o que já se diferenciava um pouco em relação ao acesso mais democrático às embalagens descartadas.
Assim como as marcas de cigarro da época, a brincadeira não existe mais. Mas, enquanto durou, rendeu às crianças daquele tempo uma diversão que não tem preço. Nem cotado em dinheiro de mentirinha.