CRÔNICA

ELES FORAM MAJESTADES

É difícil imaginar monarquia com uma realeza tão fecunda como a dessa brasileira república. Aqui tem rei e rainha de tudo: do abacate, do pastel, das baterias, das tintas, da carne de bode etc, além do maior de todos, o rei da cocada preta. E uma profusão de príncipes, princesas e personalidades da corte, como barões e muitos bobos. Há reinados muito curtos, coincidindo com a duração de algumas festas populares, como São João e carnaval.

O rei do carnaval é Momo e esse é um monarca peculiar porque não pertence a uma dinastia e não assume o trono por hereditariedade, segundo linha sucessória definida pela tradição. O Rei Momo é eleito. A Rainha do Carnaval também. Não é uma eleição comum, geral, mas em cada cidade costuma ocorrer que vários pretendem essa majestade e para evitar que, como no passado, ela seja conquistada ao fio da espada, a autoridade municipal reúne uma comissão de nobres para eleger o soberano da folia naquele ano.

 

Essa disputa de coroa fez parte quase obrigatória de alguns carnavais passados, em Mossoró e Natal, como certamente terá ocorrido em outras cidades. Não me refiro à competição do concurso oficial, mas aquela que ia do pré-carnaval ao fim do terceiro dia da festa, pela irresignação do competidor preterido. Em Mossoró, as lides mais acirradas davam-se entre Francisco Márcio e Valdeci Freire. Se o cetro oficial, definido pela nobreza nomeada pela prefeitura, era arrebatado pelo primeiro, Valdeci reunia seus súditos que o aclamavam rei ou, pelo menos, mais um rei, cada um definindo seu território num conflito em que, entre mortos e feridos, todos escapavam. Claro que o rei oficial tinha vantagens, como palanques de autoridades soberania reconhecida nos clubes sociais, fechados, onde a festa era mais chique, e mordomias equivalentes.

Em Natal a “querela” era entre Paulo Maux e Severino Galvão. Paulo teve o reinado mais longo de que se tem notícia, reeleito que foi em seguidos carnavais nas décadas de 1960 e 1970. Só perdeu para a Rainha da Inglaterra. Fisicamente era o mais próximo da figura de Momo que está no imaginário popular. Mas o irreverente Galvão instituía sua corte paralela. Enquanto isso, nobreza e plebe envolviam-se completamente na folia, encarando o imbróglio como uma diversão à parte na tradição carnavalesca da cidade.

Hoje, nenhum deles está mais aqui. São parte da história de um carnaval romântico em que o povo reinava. E fazia das cidades, literalmente, um reino de alegria e irreverência, até que as cinzas da quarta-feira o trouxessem de volta à realidade e lhe restituíssem o juízo.

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