Entrevista

Conversa da Semana com Yasmin Dias

A estudante Yasmin Dias é a mais nova entre os 12 candidatos/candidatas que compõem as chapas que disputam a prefeitura de Mossoró. Aos 24 anos, ela é candidata a vice-prefeita pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que tem o professor universitário Ronaldo Garcia como candidato a prefeito. Poetisa, rapper e slammer, Yasmin defende causas importantes, como a LGBT+, defesa dos animais, a sustentabilidade e a arte. Por contingências financeiras e também por questões ideológicas, a caminhada do PSOL tem sido recheada de desafios diários, obrigando  que os próprios postulantes tenham que produzir os cartazes de campanha, por exemplo. Além disso, as atividades tem sido por meio de bicicletas. Conheça o perfil, a trajetória, as lutas e as ideias de Yasmin Dias nesta Conversa da Semana.

Por Márcio Alexandre

PORTAL DO RN – Quem é Yasmin Dias?

YASMIN DIAS – Sou uma mulher lésbica, umbandista de muita fé e mossoroense. Sempre fui atleta: aprendi a nadar muito cedo, com uns quatro, cinco anos. Foi natural, pois cresci tendo um pai surfista (inclusive eu surfo num nível básico); treinei xadrez e participei do grupo Diocecena por quase 3 anos. Sempre fui muito enérgica – como todo ansioso -, competitiva, o que me levou a me dedicar à natação e passar esse período escolar participando dos JEM’S e JERN’S. Consegui quebrar um recorde invicto há anos nos Jogos Interdiocesanos (nível Nordeste) em 2013 e cheguei a viajar para participar de um JERN’S em Natal que poderia ter me levado Brasil à fora, mas na época eu nunca recebi um apoio que não viesse dos meus pais me incentivando nas provas aos sábados pela manhã. Sou poetisa marginal, fotógrafa amadora, sempre desenhei bastante, amo pintar e cantar e sou apaixonada por animais.

PRN – Por qual razão uma pessoa com esse perfil decide se candidatar à vice-prefeita?

YD – Acredito que sou uma voz coerente com as vivências que tive nessa cidade. Fui aluna da UERN e UFRN; passei um tempo morando em Natal mas voltei pois sentia que precisava me conectar com minhas raízes.

PRN – Nos fale um pouco sobre suas vivências acadêmicas.

YD – Inicialmente, passei para Radialismo na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e fiquei dois semestres. Voltei e acabei sendo aprovada para Letras/Português na UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e cursei um ano e meio. Até agora foi o curso com quem mais me identifiquei. Abriu muito minha mente, me ajudou muito como escritora,  e como artista. E a partir daí refleti muito sobre o papel social do que a gente pode fazer da linguagem, dos usos que a gente pode fazer dela, e de como isso pode fazer as pessoas refletirem sobre tudo e todos, sobre aquilo em que elas estão inseridas. Mas, depois que saí de casa com minha ex-companheira, em 2016, acabamos indo para Natal, pensando na questão de se estabilizar, de ter empregos melhores. Na época ela já trabalhava, mas eu não. Aí foi nesse tempo que comecei a fazer bicos em lanchonetes. Depois passei para Letras/Francês, mas em face de uma série de problemas, inclusive com questão de saúde de um parente (que acabou falecendo) acabei trancando o terceiro curso. Em 2019, voltei para Mossoró, sozinha, e voltei a morar com meus pais. Nesse ano consegui uma bolsa para cursar Gastronomia na Faculdade Católica e estava cursando, só que no início da pandemia fui assaltada e não tive como continuar acompanhando as aulas. Com a pandemia parou tudo, não tive mais como trabalhar, então acabei saindo, trancando e fiquei procurando emprego, e até agora nada, não consegui assinar a carteira.

PRN – Você ainda é muito jovem. Desde quando você despertou para a política?

YD – Desde de sempre sou uma pessoa repleta de questionamentos e ideias, além de apreciar muito ouvir ideias de outras pessoas também. Tenho opiniões fortes baseadas em minhas vivências, e cheguei numa conclusão de que poderia tornar essas ideias decisões efetivas, pensava comigo: “Por que não?”

Por ser LGBT, pela liberdade religiosa e por perceber que o partido tem uma identidade própria, onde me sinto confortável para ser eu mesma.

PRN – Por que a escolha pelo PSOL para desenvolver sua trajetória de luta política?

YD – A postura do PSOL me atraiu pela coerência, por ser composto principalmente por professores, artistas, vozes da periferia e mulheres que não têm medo de falar o que pensam. Por ser LGBT, pela liberdade religiosa e por perceber que o partido tem uma identidade própria, onde me sinto confortável para ser eu mesma. Pela forma que o PSOL dialoga. Só posso sentir orgulho em fazer parte do mesmo partido de Marielle Franco.

PRN – Por meio das atividades de campanha como candidata a vice-prefeita, você pretende chamar a atenção para quais questões?

YD – Sustentabilidade, respeito e igualdade para as mulheres (feminismo), causa animal, dar voz aos LGBTTI+, luta antirracista e respeito à classe artística, que além de não ser reconhecida em seu trabalho também é marginalizada e sabe bem o que é desemprego. Para mim nenhum trabalho é melhor ou mais digno do que outro, seja ele qual for.

Eu e Ronaldo não fazemos muita questão de ser “engomadinhos”, nossa identidade é liberta do ego da aparência que agrada.

PRN – O PSOL não tem dinheiro do Fundo Partidário, não recebeu doações. Como tem sido bancada a campanha de vocês?

YD – Estamos fazendo tudo literalmente com nossas próprias mãos, inclusive os cartazes das fotos foram escritos por mim. Trabalhamos com cotas advindas dos próprios camaradas que constroem esse projeto conosco, trabalhamos de forma horizontal e em equipe; apesar das dificuldades está tudo bem, pois afinal nada disso nos tira a essência. Eu e Ronaldo não fazemos muita questão de ser “engomadinhos”, nossa identidade é liberta do ego da aparência que agrada. É assim que somos e assim  continuaremos.

PRN – Além da questão financeira, quais outras dificuldades vocês tem enfrentado na campanha?
YD – Bem, não posso te dizer que é fácil fazer campanha sendo mulher e também sendo a mais nova; em alguns momentos nada dessa aura “solene” de campanha me protege do que é a realidade de ser mulher no Brasil e em Mossoró… Ontem, por exemplo, enquanto estava no sinal um homem passou de moto me pedindo um beijo, e eu duvido que alguém faça isso quando vê uma candidata rodeada de pessoas e com um carro onde possa se proteger, caso seja necessário. Minha maior dificuldade é ter que manter a seriedade quando vejo que homens não respeitam minha própria existência por si só. Eu não posso andar sozinha, e isso me deixa triste, sabe? Estar correndo riscos enquanto falo em liberdade e autonomia para o povo. Chega a ser irônico, todo dia é uma luta.

PRN –  Não assusta participar de uma disputa com candidatos com mais experiência, mais estrutura e maior apelo popular?

YD – Só me assusto com a agressividade das pessoas, com gente que passa dos limites, com as possíveis atitudes de eleitores mal educados. Conheço muito bem os problemas da minha cidade, principalmente os mais antigos porque cresci com os mesmos há 24 anos, e tratando-se de alguns, nada mudou. No que eu mesma como cidadã sinto falta e reconheço como necessidade, então meu medo mesmo é só deixar algo importante passar batido e não ser apontado caso esteja errado.

PRN – Você dá aulas de reforço e faz bicos como garçonete, atividades que ficaram suspensas. Como tem conseguido viver?

YD – No momento, majoritariamente do auxílio emergencial. Meus pais me ajudam como podem, mas desde de que saí de casa (em 2016) que trabalho muito e não consigo assinar a carteira: um mal que as empresas grandes e pequenas fazem sem previsão de quando deixarão de fazer. Quase entrei numa depressão quando busquei ser autônoma vendendo lanches que eu mesma fazia em casa com minha companheira na época – quase sempre comida vegana – e é exaustivo ter que ir para as ruas todo dia sem nunca saber como vai ser, muitas vezes perdendo produtos por não vender e também lidar com grosserias das pessoas, além da sensação de vulnerabilidade também por ser lésbica e muitas vezes friamente julgada só por  segurarmos as mãos na rua, coisa que qualquer casal (ou não) faz.

PRN – Por essa situação, percebe-se o quanto a participação do jovem na política é dificultada. É possível imaginar por que isso acontece?

YD – Infelizmente vivemos numa sociedade em que você não conquista muito respeito sendo alguém que tem sonhos; o jovem tem coragem e energia para construir aquilo que almeja, e na maioria das vezes nos faltam meios viáveis e pessoas que apoiem sem querer deturpar aquilo que inicialmente você está planejando. Não oferecer recursos expressivos “corta as asas” de qualquer ideia, porque a maturidade nós vamos adquirindo no meio desses processos e a fixação por orçamentos baixos de serviços diversos padroniza muitas coisas que poderiam mudar nossas vidas. Em resumo: não são oferecidas muitas chances, principalmente quando se trata das favelas e da classe artística, onde o jovem mais precisa de apoio para poder buscar sua independência (coisa que só acontece quando você conquista seu lugar no mundo).

PRN – Você é poetisa, rapper e slammer. É natural que com a identificação com esse tipo de arte sua linha política seja de esquerda?

YD – Sim, com toda a certeza. Desde os tempos mais antigos a arte sempre foi uma ferramenta crítica e uma válvula de escape para falar sobre problemas e tragédias fugindo do usual e explorando várias formas de linguagem, principalmente como estruturação para fazer denúncias sem ser preso ou torturado, realidade que não está exatamente longe do nosso cotidiano, principalmente em países mais radiciais. Além de ser uma cura, pois absolutamente qualquer pessoa pode fazer sua própria arte a qualquer momento para falar sobre qualquer coisa que esteja te incomodando ou inspirando. A arte é livre e é assim que faz com que nos sintamos.

PRN – Aliás, como você vê o apoio público à arte e cultura em geral, e em especial aos poetas, rappers e slammers?

YD –  Não há apoio efetivo. A cultura mossoroense por vezes resume-se à conhecer alguém que conhece alguém e te oferece uma vaga em algum projeto, e além disso trabalhar quase de graça para uma prefeitura que só se importa com você quando quer deixar as festas públicas da cidade atraentes aos turistas, gerando recursos que não retornam à nós como classe trabalhadora nem às escolas integrais, por exemplo. Uma de nossas propostas consiste em proporcionar cursos de formação a esta classe, de forma que artistas como eu e vários amigos e amigas possam ter autonomia e construam uma carreira que não seja dependente de nenhum partido, amenizando um pouco os “currais eleitorais”, afinal o governo tem o dever  e os recursos necessários para investir em cultura.

Nossa campanha é um manifesto de indignação a ciclos viciosos que podem e devem ser evitados.

PRN – Vocês sabem da dificuldade de conseguir a vitória nas urnas em novembro próximo. Nesse sentido, qual o legado que vocês querem deixar nessa campanha?

YD – Queremos mostrar que uma campanha simples pode sim ser rica em conteúdo, e que em meio a tanta hipocrisia ainda há quem fale a verdade e admita que sim, nós temos problemas; mas mais do que isso, apontamos a urgência de resolver problemas ignorados em demasia, mais antigos do que eu mesma! Cresci pensando em como seria diferente se o Rio Apodi/Mossoró fosse próprio para a pesca e banho, por exemplo… Desde mais nova sempre me preocupei com sustentabilidade, queria fazer parte do Greenpeace… Mas comecemos pelo mais simples, reciclando o lixo e descartando corretamente, coletando e também conscientizando. Nossa campanha é um manifesto de indignação a ciclos viciosos que podem e devem ser evitados.

PRN – Como jovem, com esse engajamento político e essa vivência na arte, qual a mensagem que você deixa para a sociedade como um todo, e em particular as jovens?

YD – Sempre que me calam e buscam me constranger por ser mulher, espírita, homossexual, garçonete, estudante não formada ou simplesmente por emitir certa opinião. Me encontro em dores alheias assim como se encontram nas minhas. A arte me serve para motivar à mim mesma e aos outros, para me relembrar da efemeridade das coisas… A arte às vezes dura só um instante. Quem não pode arcar com uma terapia ou não se sente à vontade em uma precisa de amigos, de respeito, precisa de espaço para se expressar. Eu não tenho vergonha de falar sobre minha saúde mental porque aprendi no teatro que posso falar sobre qualquer coisa, e creio que todo mundo merece isso, liberdade e bem estar. Permitam-se ser livres, mesmo pagando o preço por lutar. E saber viver a união também é libertador, construir nunca é em vão, a arte nos traz a magia para acabar com a guerra.

 

Notícias semelhantes
Comentários
Loading...
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support