Conversa da Semana com Natália Bonavides
A deputada federal Natália Bonavides tem enfrentado uma agenda lotada de compromissos. As ações do mandato tem sido dimensionadas de forma especial pela Comissão Parlamente Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, da qual é ativa participante como membro titular. Nesta entrevista ao Portal do RN, Natália fala sobre o trabalho da comissão, sobre os ataques aos direitos sociais perpetrados pelo presidente Bolsonaro, analisa a condição das mulheres parlamentares no Congresso Nacional, e fala sobre a importância da liberdade do ex-presidente Lula. Entre as boas informações apresentadas pela deputada nesta Conversa da Semana, está a possibilidade de se ter um bom desfecho no processo de luta pelo FUNDEB permanente. Acompanhe na integra:
Por Márcio Alexandre
PORTAL DO RN – Deputada, vamos iniciar nossa conversa sobre uma comissão parlamentar que a senhora integra e que promete muito desdobramentos, que é a CPMI das Fake News. Como está o trabalho?
NATÁLIA BONAVIDES – A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instalada tem como finalidade investigar, entre outras questões, os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público e a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018. Até o momento, apesar das tentativas por parte da bancada do governo de obstruir os trabalhos, temos conseguido avançar e já iniciamos a realizar oitivas e audiências públicas.
Diante das acusações de utilização de milícias virtuais para favorecer o presidente eleito, o governo tem se movimentado para obstruir o trabalho da Comissão.
PRN – Os atuais inquilinos do Palácio do Planalto tentam a todo custo abafar essa CPMÌ. É possível imaginar porque o presidente e seu núcleo político tenham tanto medo dessa investigação?
NATÁLIA BONAVIDES – Um dos objetivos da CPMI é justamente investigar a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018. Nesse sentido, diante das acusações de utilização de milícias virtuais para favorecer o presidente eleito, o governo tem se movimentado para obstruir o trabalho da Comissão.
PRN – A senhora já foi vítima de alguma Fake News? O que isso lhe trouxe de problemas?
NATÁLIA BONAVIDES – Infelizmente as notícias mentirosas tornaram-se uma arma para atacar e tentar destruir reputações. No meu caso, já disseram que eu tinha morrido; fizeram edições de fotos me colocando em locais e situações que não estive; publicaram imagens em que apareci desfigurada.
PRN – O que a criminalização das Fake News pode trazer de benefícios? No que ela pode ser ruim?
NATÁLIA BONAVIDES – O maior benefício é certamente o de termos acesso a informações verídicas e também não permanecermos num ambiente em que a difusão de notícias falsas é vista com normalidade.
PRN – Aliás, o uso de informações falsas se tornou uma arma ou instrumento a serviço do presidente e até por ele próprio utilizada pessoalmente. Não surpreende que um chefe de governo e de Estado tenha postura tão tacanha?
NATÁLIA BONAVIDES – Com o histórico que ele possui, não é nenhuma surpresa. Mesmo antes da campanha eleitoral de 2018, o então deputado era conhecido pela difusão de informações inverídicas. Basta lembrar-se do inexistente “Kit gay”, das afirmações sobre os médicos cubanos serem guerrilheiros e etc. Ou seja, faz parte de sua prática política a divulgação de Fake News.
PRN – A seu ver, porque o presidente parece mentir tanto e nada lhe aconteça do ponto de vista da responsabilização por tais atos?
NATÁLIA BONAVIDES – Primeiro existe o fato de que, como recentemente um de seus filhos pontuou ao defender um novo AI-5, eles se utilizam de sua imunidade. Agora, enquanto presidente, mais ainda. Além disso, há também a conivência de alguns setores, como parcela da mídia que durante muito tempo endossou as mentiras contadas por ele.
A cultura machista é responsável pela produção de várias formas de violência contra a mulher, seja no ambiente familiar, seja nos espaços públicos.
PRN – A senhora é mulher, jovem, ativista social. A partir dessa perspectiva, como analisa o contexto do Congresso Nacional?
NATÁLIA BONAVIDES – Ser mulher na política já é algo muito desafiador no mundo, especialmente no Brasil. A cultura machista é responsável pela produção de várias formas de violência contra a mulher, seja no ambiente familiar, seja nos espaços públicos. Hoje, apesar dos avanços que tivemos na luta pelos direitos das mulheres e até mesmo do aumento da representatividade feminina no parlamento, temos o congresso mais conservador dos últimos 40 anos. Na prática, isso se manifesta, por exemplo, em pautas que representam verdadeiros retrocessos, como o projeto que foi apresentado no início do ano para proibir métodos anticoncepcionais, e na resistência que encontramos em aprovar qualquer projeto que trate da palavra gênero, ainda que se refira a gênero alimentício ou gramatical. Então, nessa atual conjuntura, em que vários direitos da população estão sob ataque do governo, que conta com o apoio de parte do Congresso para isso, o papel das mulheres no parlamento se torna ainda mais relevante para fazer resistência a todos esses ataques que afetam ainda mais as mulheres da classe trabalhadora, sobretudo as mulheres negras.
PRN – O governo tem atuação clara de acabar com direitos dos cidadãos, e de disseminação do ódio. Como o Congresso precisa atuar para evitar que se continue com o desmanche do Estado e radicalização das relações entre os que apoiam o presidente e os que são contra suas medidas?
NATÁLIA BONAVIDES – Primeiro, é importante lembrar que a correlação de forças no Congresso Nacional é extremamente desfavorável para a classe trabalhadora. Há uma maioria de empresários, latifundiários e representantes do grande capital e interesses oligárquicos que impõe uma grande limitação aos defensores da classe trabalhadora. Nesse sentido, a maioria do Congresso é cúmplice da política de desmonte conduzida pelo governo. Para nós, o caminho mais correto é justamente o de subir o tom e ter a ação parlamentar e institucional diretamente associada a mobilização de massas, nas ruas de todo o país.
Há um ambiente muito positivo e acredito que temos chance de avançar com um bom projeto para tornar o FUNDEB permanente.
PRN – No próximo ano, acaba a vigência do Fundo Nacional pelo Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), responsável por cobrir mais de 50% dos gastos com educação em 86% dos municípios brasileiros. Como tem sido a articulação dos partidos progressistas na Câmara Federal para evitar que o Fundo seja extinto com o fim da validade da Emenda Constitucional que o criou?
NATÁLIA BONAVIDES – Foi criada uma comissão especial para apreciar o que está sendo chamado de “Novo FUNDEB”. Faço parte dessa comissão e temos conseguido avançar em seu texto. No entanto, a posição de governo é muito ruim. Enquanto queremos um aumento da complementação da União, saindo do percentual atual de 10% para cerca de 40%, o próprio ministro da Educação se coloca contra essa medida. Ainda assim, ao menos na comissão, há um ambiente muito positivo e acredito que temos chance de avançar com um bom projeto para tornar o FUNDEB permanente.
PRN – A senhora tem participado de eventos, sobretudo em universidades, falando sobre democracia. Temos ainda na prática um Estado democrático de direitos?
NATÁLIA BONAVIDES – O chamado Estado democrático de direito é uma abstração. É uma representação que, para muitos, seria o ápice do desenvolvimento de uma sociedade nos marcos do capitalismo. No entanto, capitalismo com garantia de direitos é uma situação que, quando ocorre, não dura muito tempo. Isso porque é próprio do modo de produção capitalista criar as condições para aumentar permanentemente seus lucros e isso é incompatível com a manutenção de direitos. Nesse sentido, o Brasil vive um período de regressão de direitos, em razão da busca do aumento da taxa de lucros da classe dominante. Para tanto, estão desmontando os poucos direitos sociais e trabalhistas que foram incluídos na Constituição Federal de 1988.
Não é possível afirmar que as instituições nacionais que atuam na defesa da democracia, estejam funcionando.
PRN – Há quem diga que as instituições nacionais que atuam na defesa da democracia, estejam funcionando. Os demais poderes, na sua opinião, tem feito valer a Teoria dos Freios e Contrapesos?
NATÁLIA BONAVIDES – É preciso destacar que as estruturas do Estado brasileiro foram forjadas por setores das classes dominantes que não possuem histórico de defesa da democracia. Pelo contrário. Sempre que puderam lançaram mão de ditaduras e formas autoritárias de governo. Foi por meio de transições conservadoras que as atuais instituições foram criadas. Por isso, não é possível afirmar que “as instituições nacionais que atuam na defesa da democracia, estejam funcionando”. Se de fato estivessem, não teria ocorrido o golpe em 2016; o presidente Lula não teria sido preso e impedido de concorrer nas eleições de 2018; e Bolsonaro não seria presidente.
PRN – Por que é importante para o país o ex-presidente Lula livre?
NATÁLIA BONAVIDES – Lula nunca deveria ter sido preso. Sua prisão ilegal foi uma demonstração de como as classes dominantes, que deram o golpe e elegeram Bolsonaro, não toleram a possibilidade de uma sociedade com liberdade e com ampliação de direitos. Ter Lula em liberdade e com as injustas condenações anuladas é a única chance que temos, nesse momento, de fazer justiça histórica e permitir que a maioria do povo brasileiro volte a ter o direito de sonhar.