Entrevista

Conversa da Semana com Jaedson Alves

Os trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) estão em greve há quase duas semanas. Eles não reivindicam aumento de salário ou qualquer outro novo benefício, mas apenas a manutenção de um acordo judicial estabelecido pelo Superior Tribunal do Trabalho (TST). Nessa Conversa da Semana, o delegado regional do sindicato da categoria (SINTECT) em Mossoró, Jaedson Alves, fala da paralisação, seus motivos e expectativas. E argumenta porque é importante combater a privatização da empresa.

Por Márcio Alexandre

PORTAL DO RN – Os trabalhadores estão há cerca de 10 dias em greve. Qual a avaliação que vocês fazem da paralisação até agora?

JADSON ALVES – Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a revê ganhou mais força nos dias seguintes, e na última terça-feira, o procurador do Trabalho, entrou com um pedido, junto ao TST para fazer uma negociação, uma mediação lá na Corte. E poucas horas depois, no mesmo dia, a empresa entrou também no TST, com um pedido de dissídio, já pedindo para julgar sem antes ter feito a parte pré-processual desse conflito. A gente conta com a equipe técnica, inclusive com elementos que foram apontados, analisados, que serviram de fundamento para que o TST tomasse a decisão de colocar nosso acordo coletivo para 2 anos. Nós estamos com essa expectativa. Nós não deveríamos nem estar fazendo essa greve hoje, por causa da vigência do nosso acordo. A gente deveria discutir campanha salarial somente no próximo ano, somente em 2021. A gente conta com o bom senso e a objetividade dos ministros do Trabalho       para que eles percebam que de fato esse acordo deve prevalecer por mais um ano. A gente tem essa expectativa já que serve para embasar a decisão dos ministros do TST, há o fato  de que nos últimos dois meses, no meio da pandemia, inclusive, os Correios tiveram um aumento de demanda de serviços de 28% e isso já denota um potencial lucrativo muito grande, inclusive no meio de uma situação de calamidade que a pandemia nos trouxe. A empresa é viável, não tem passivo trabalhista elevado, assim como a empresa alega que vai causar ruína econômica, de estabilizar a estrutura econômica da empresa. Isso é papo de patrão de séculos. Nós como trabalhadores sabemos a Corte suprema do Trabalho também sabe e pode verificar isso que os Correios são uma empresa viável, inclusive com nossa pauta reivindicatória de manutenção dos direitos. Nós não pedimos nem para aumentar, mas apenas manter o que está colocado no passado para a gente só negociar a partir de 2021. A gente está com essa expectativa e se Deus quiser vai dar tudo certo e vamos voltar a prestar um serviço de qualidade a toda a população brasileira.

PRN – Quais os motivos dessa paralisação?

JA – Os motivos da nossa paralisação se resumem à manutenção do nosso acordo coletivo por mais um ano, uma vez que ele foi fruto de uma sentença normativa, de uma decisão, no ano passado, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabeleceu a vigência de dois anos de validade de nosso acordo coletivo. A presidência dos Correios, em janeiro, entrou com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a cláusula que afirmava os dois anos de vigência do nosso acordo. Então a categoria se sentiu lesada, se sentiu afrontada diante dessa quebra de palavra do presidente da empresa em não manter nosso acordo por dois anos. A categoria ficou vulnerável e diante da dificuldade de negociação por parte da presidência dos Correios, que não sentou-se à mesa com a categoria, para negociar, então a única alternativa foi puxar essa manifestação para que a gente tenha pelo menos condições de uma negociação  propositiva para uma das partes.

A gente luta contra a privatização para a gente enfrentar essa real ameaça de perda de direitos e a pior delas que é o desemprego, o desligamento de muitos postos de trabalho.

PRN – Uma das pautas da greve é a luta contra a privatização dos Correios. O que isso pode trazer de ruim para os trabalhadores?

JA – Exatamente. Um dos pontos de nossa paralisação é a luta contra a privatização dos Correios. Isso significa uma ameaça muito forte aos direitos dos trabalhadores, à categoria ecetista. E o pior que pode acontecer nessa privatização é a extinção de postos de trabalho, haja vista as agências dos Correios hoje estarem presentes em todos os 5.570 municípios do país. E de todos estes, somente 324 dão lucro. E todo o restante das unidades poderiam fechar se nossa empresa fosse entregue à iniciativa privada. Fechando essas unidades dos Correios consequentemente teríamos desemprego em massa. A gente luta contra a privatização para a gente enfrentar essa real ameaça de perda de direitos e a pior delas que é o desemprego, o desligamento de muitos postos de trabalho.

O fechamento definitivo de agências dos Correios significa a diminuição das instituições que contribuem para a promoção da cidadania brasileira.

PRN – E para a sociedade qual o impacto de uma medida dessas?

JA – Para a maioria da população, o impacto seria devastador. O fechamento definitivo de agências dos Correios significa a diminuição das instituições que contribuem para a promoção da cidadania brasileira, pois os Correios hoje não se limitam apenas à entrega de mensagens, entregas de encomendas, nós também realizamos emissão de CPF, consulta em órgãos de proteção ao crédito, emissão de carteira de trabalho, emissão de documento de identidade, serviços bancários. Em muitos municípios onde os bancos provados não tem interesse de atuar, lá existe banco postal para fornecer esses serviços para a população de cidades distantes dos grandes centros. Os Correios hoje, para a sociedade, significam mais uma instituição que contribui para a promoção da cidadania, oferecendo vários serviços.

PRN – A paralisação gira em torno da luta pela manutenção por dois anos da validade do último acordo coletivo celebrado entre trabalhadores e empresa. O STF se manifestou sobre isso. Como os trabalhadores receberam a decisão do STF?

JA – Na sexta-feira da semana passada o STF decidiu por unanimidade que nosso acordo coletivo teria vigência de apenas um ano. Isso chegou para os trabalhadores dos Correios com uma certa previsão. Muitos aguardavam essa decisão visto que a gente percebe que o STF não deveria nem ter acolhido essa liminar da empresa, uma vez que nosso acordo coletivo foi fruto de um julgamento de uma Corte superior, que é o TST, e isso não seria matéria de verificação de constitucionalidade, não seria pauta para o STF julgar. A decisão do TST não tocaria em nenhum ponto inconstitucional Então os trabalhadores ecetistas receberam isso como mais um elemento para ampliar a greve para engajar mais companheiros nessa luta, e essa participação, e o  tamanho da greve, ela tende a aumentar a relevância do nosso acordo coletivo celebrado a partir de uma negociação. Então, o STF, para muitos decepcionou mesmo, apesar de a gente já esperar esse resultado, e até pela atuação dele que ultrapassou uma decisão de uma corte suprema, que é o TST.

PRN – A população tem ideia da importância do papel dos Correios? O que ele agrega de valor à sociedade?

JA – Muitos da sociedade compreendem a importância do nosso papel. Nós estamos diariamente fazendo campanha nas redes sociais apresentando a importância dos serviços dos Correios para a população. E na medida que a gente conversa, explica para as pessoas, elas vão tomando consciência do perigo que toda a sociedade corre de perder uma instituição que há 357 anos e vem sempre integrando, ajudando à população brasileira, a ter acesso à única instituição que está presente em todos os municípios da federação. A população está percebendo que a luta pelos direitos dos ecetistas, que é a luta contra a privatização, é também a defesa do patrimônio nacional que serve simplesmente ao público. A gente serve sim para atender a pedidos do mercado eletrônico, e isso é bastante lucrativo, mas a gente não perde o foco da nossa visão social. Isso está até disposto no artigo 21, inciso 10, da Constituição, que obriga a União a realizar o serviço postal e de correio aéreo para todo o país. Então, a gente faz a parte lucrativa, mas também essa parte social e que a sociedade deve se se posicionar em defesa dos Correios como empresa pública e de qualidade.

A gente tem que ter em mente que tem que ser de forma civilizada, porque política não se debate com ódio, om baixaria e com ataque às instituições, nem elas sendo públicas ou partidárias.

PRN – Circula nas redes sociais uma foto de trabalhadores dos Correios queimando a bandeira do PT. Qual o contexto daquela imagem?

JA – Naquela ocasião ouve muitos protestos em relação ao PT, ali houve muita falta de maturidade política de alguns colegas que não entendiam aquele contexto onde havia muitos ataques ao próprio PT enquanto governo, e muitas pessoas se inflamaram, entraram nessa onda, de ódio à política, de ódio ao PT, e infelizmente alguns registros aí pesaram negativamente contra os trabalhadores dos Correios. A gente percebe que, superado aquele episódio, temos um papel importante a desempenhar enquanto trabalhadores, enquanto sujeitos políticos para a gente defender não só nossos direitos, mas também a empresa, diante de qualquer governo. A gente tem que ter em mente que tem que ser de forma civilizada, porque política não se debate com ódio, om baixaria e com ataque às instituições, nem elas sendo públicas ou partidárias.

PRN – Houve uma adesão significativa de parte dos trabalhadores dos Correios da então candidatura de Jair Bolsonaro?

JA – A gente não verifica uma adesão significativa, mas de fato houve alguns colegas que foram seduzidos, foram enganados, e muitas vezes isso acontece por um projeto político que sempre se pautou numa suposta honestidade, numa suposta moralidade, em um suposto combate á corrupção no governo, e muitos esqueceram a empresa onde trabalhamos, pois o então candidato Jair Bolsonaro, na campanha afirmou que extinguiria os Correios. Muitos acharam que isso não seria possível, esses inclusive que votaram no candidato. De fato foi um equívoco muito grande, e ele acabaram por estar reconhecendo isso, do equívoco que cometeram, um equívoco grave, e a gente vai ter agora que enfrentar o governo que está aí, independente de quem tenha votado nele ou não.

PRN – Hoje há um entendimento entre a categoria de qual é o projeto do atual governo para o país?

JA – Como resultado da eleição do governo Bolsonaro, o projeto está cristalino, tão claro como o sol, pois já estamos sentindo cada vez mais forte as ameaças e até mesmo os ataques – que a gente já está sentindo na pele – o desastre que foi a eleição desse presidente para a categoria ecetista e para a sociedade brasileira. Hoje já está em debate na consciência de nossos colegas que o projeto do governo Bolsonaro não interessa à classe trabalhadora, não interessa ao Brasil, não interessa aos ecetistas, porque é um projeto de destruição, de entrega do patrimônio, destruição de direitos, e a gente já tem essa certeza: até o próximo mandato a gente vai ter que trabalhar muito para resistir e enfrentar esse governo.

 

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