Entrevista

Conversa da Semana com Boanerges Perdigão

‘Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz’. Esse trecho da música de Gonzaguinha pode descrever a pessoa de Boanerges Perdigão Júnior. E quando o assunto é arte e cultura, em especial, a dança, a figura de Boanerges, logo surge como um dos principais nomes do cenário artístico cultural mossoroense. Apaixonado pelas artes desde criança, encontrou na dança uma forma de expressar e de viver todo o talento e criatividade contidos em sua veia artística. Uma de suas inspirações foi seu pai, Boanerges Perdigão, um exímio bailarino de tango, que também fez história nas noites boêmias de Mossoró. A trajetória de Boanerges Perdigão Júnior dentro da dança, é marcada por pioneirismo, dificuldades e muita determinação. Ele conta, com muita descontração e bom humor, todos os obstáculos que atravessou para viver a arte e expressar toda a criatividade que sempre fez parte de sua personalidade. O nome de Boanerges figura desde o início quando se buscava desenvolver a dança na cidade, passando pelos grandes festivais e grupos independentes. Mas a criatividade que sempre buscava mais não permitiu que Boanerges se limitasse apenas a dança e seu nome está escrito também nos elencos dos grandes espetáculos culturais de Mossoró.  Além do talento com as artes, Boanerges também é reconhecido pelo refinado e criativo estilo de se vestir. O seu envolvimento intenso com a arte e a cultura local o levou a assumir cargos na Secretaria Municipal de Cultura e a comandar, por duas vezes, a direção da Escola de Artes de Mossoró. Boanerges Perdigão Júnior, é o personagem da Conversa da Semana de hoje, 24, onde vai contar um pouco de sua atuação no cenário artístico cultural da cidade que recebe o pseudônimo sugestivo de ‘País de Mossoró’.

Por Sayonara Amorim

PORTAL DO RN – Boanerges, quando começou sua história com as artes?

BOANERGES PERDIGÃO – Desde criança, eu sempre gostei de dançar. Mas naquela época, dançar solto, como era chamado, não era bem aceito. O tradicional era dançar a dois. Mas como eu gostava muito de dançar, infringia essa regra e sempre me destacava quando saia com os amigos para dançar. Lembro-me de uma vez quando teve um show da cantora Wanderléa em Mossoró e eu estava lá. O Show foi no Sine Pax. Em um momento da apresentação ela convidou alguém da plateia para dançar com ela, eu tinha uns 8 anos de idade, e meus amigos gritavam “Júnior, Júnior” e eu fui. Dançamos um iê iê iê, era uma dança que fazia sucesso na época e a plateia foi ao delírio. Desde então eu sempre gostei de criar coreografias que naquele tempo, nós chamávamos de dancinhas. O meu pai dançava muito bem, era sempre muito requisitado, frequentava os clubes da época e sempre se destacava por dançar bem.

PRN – Das dancinhas informais para os grandes festivais e um dos coreógrafos mais marcantes da história da dança de Mossoró. Como foi esse trajeto?

BOANERGES – Não foi fácil, porque eu sempre gostei muito de dançar, mas quando comecei a trabalhar com dança não tinha intimidade com a técnica. Eu me formei em Educação Física e na época não se falava em dança propriamente, o que mais se aproximava era a ginastica rítmica. A primeira professora de dança que eu tenho conhecimento em Mossoró chama-se Valda Mendes, ela tinha uma academia que funcionava na Avenida Alberto Maranhão, depois dela, veio Deodete Dias que dava aulas de danças folclóricas no SESI. Nesse tempo a ginástica rítmica fazia sucesso muito sucesso. Era como se exercitar dançando. Com o passar do tempo veio a academia de dança de Cleia Maria, depois Clézia Barreto e todas as demais que vieram depois, com certeza foram influenciadas e muitos passaram por estas duas importantes escolas de dança da cidade. O meu primeiro curso de dança com técnica, eu fiz já adulto, eu tinha acabado de entrar na faculdade e vi um chamado para um curso de dança em uma renomada academia de Fortaleza. O curso era caríssimo destinado a sociedade de Fortaleza e eu lá, não sabia sequer o nome dos passos de dança que eram todos em francês. Nem sei como consegui pagar esse curso. E fiz muitos outros depois. Eu nunca tive um professor de dança que me ensinasse a técnica, tudo que eu aprendi sobre técnica de dança foi fazendo os cursos intensivos.

PRN – A sua trajetória como coreógrafo teve início, quando você ainda era adolescente, quando criava as coreografias com os amigos, mas profissionalmente quando começou?

BOANERGES – Eu comecei dando aulas de dança na ACDP, foi minha primeira academia, depois montei outro espaço no Clube Aceu e em seguida um espaço que ficava no prédio do Pax. Dei aulas de dança na primeira Academia de Mossoró que se chamava TermoCharme. Trabalhei muito tempo com Cléia Maria também e durante esse período, todo ano nós participávamos do Festival de Inverno de Campina Grande que era um festival de dança, onde fazíamos cursos e trazíamos muitas novidades para a academia, inclusive coreógrafos renomados para ministrarem cursos aqui em Mossoró. Em seguida veio Clezia Barreto, com quem formei uma parceria por muitos anos. Nós montamos um grupo de dança independente e depois ela abriu sua academia que passou a denominação de Stúdio de Dança.

PRN –  Fale um pouco mais sobre os festivais, os espetáculos e os grupos de dança dos quais você participou como coreógrafo e bailarino.

BOANERGES – Apesar de já ter trabalhado como coreógrafo, as danças que eu criava no início, eram apenas dançar por dançar, não tinha o objetivo de apresentar. O meu primeiro contato com o palco numa apresentação de dança aconteceu quando, em parceria com Clézia Barreto, ela deu a ideia de formarmos um grupo independente de dança para fazermos apresentações. Então comecei a reunir algumas ex-alunas e montamos um espetáculo em conjunto com outros grupos de música e teatro. Este foi meu primeiro espetáculo denominado de ‘Nós, Vozes, Elos’. A partir daí formamos o grupo chamado ‘Cena Aberta’ e criamos o primeiro espetáculo chamado “Estado de Coisas”, que ficou muito tempo em cartaz. A partir desse movimento que foi a criação de um grupo independente de dança que criou espetáculo, a dança ganhou um incentivo muito grande na cidade. Os festivais anuais de dança, começaram a ser realizados na Academia de Cléia Maria e depois quando Clézia Barreto montou sua própria academia de dança, também realizava anualmente os festivais e eu trabalhei muito tempo com ela também. Nos festivais de Clézia, todo ano o encerramento era feito com um, ”pas-de-deux”, que significa passos para dois,  apresentado por mim e Clézia. Este era um dos números mais esperados do espetáculo a cada festival. As coreografias eram criadas por nós dois e Clézia sempre muito perfeccionista e exigente garantia sempre um bom espetáculo.

PRN – Apesar de você ter uma relação de amor com a dança, você também já participou de vários espetáculos de teatro e fez participações em muitas das grandes atrações culturais de Mossoró como o Chuva de Bala, Oratório da Santa Luzia e Alto da Liberdade. Fale um pouco sobre esse seu talento também como ator.

BOANERGES – A dança sempre fez parte da minha vida porque eu sempre gostei muito de dançar, mas as artes no geral me encantam. Quando surgiram os convites para participar dos espetáculos eu fui porque sempre gostei muito de teatro também e gostei muito de atuar. Eu tenho ainda muita vontade de fazer dança, embora o meu corpo não me obedeça mais. A mente pede, mas o corpo não obedece, tenho muitas limitações, mas, mesmo com as limitações, não penso em parar, por que dançar me faz muito bem.

PRN – Como você avalia o incentivo a arte e a cultura em Mossoró?

BOANERGES – Mossoró é uma cidade muito rica no sentido cultural e artístico. Nós temos muitos artistas de alto nível na música, no teatro, na dança, nas artes plásticas e a existência desses artistas, de uma certa forma fez com que houvesse a necessidade de se investir no setor artístico cultural. Mesmo antes, quando não existia Fundação Municipal de Cultura que depois passou a Secretaria Municipal de Cultura, existia um departamento ligado à Secretaria Municipal de Educação que cuidava da cultura em Mossoró. Na época esse setor era administrado por Ricardo Rogério. Então, não tem como dizer que não existe incentivo à cultura, porque a evolução do setor é visível. Hoje Mossoró tem um Teatro Municipal de grande porte, além do teatro Lauro Monte que recentemente foi reformado, além dos teatros Alfredo Simonete e Kiko Santos, ambos necessitando de restauração, porém existem. A cidade conta com um espaço totalmente destinado a arte e a cultura que é o Corredor Cultural. Mossoró tem eventos culturais reconhecidos nacionalmente e isso tudo é fruto da luta dos artistas e incentivadores da cultura local.

PRN – A Escola de Artes de Mossoró foi criada para tornar a arte mais acessível para os estudantes e para a comunidade em geral, você já dirigiu a escola por duas vezes, qual a sua avaliação sobre essa unidade para Mossoró?

BOANERGES – A Escola de Artes tem uma grande importância para cidade de Mossoró. Ela representa oportunidade de garantir que as pessoas mais vulneráveis financeiramente tenham acesso a arte, tenham acesso a aulas de dança, música, teatro, artes plásticas, entre outros. A pandemia mudou a rotina da escola, mas o número de alunos já ultrapassou a marca de 1.000. A escola tem excelentes professores de música e teatro, mas ainda precisa investir em outras áreas como dança por exemplo. Atualmente, somente eu atuo como professor de dança da escola. A EAM foi criada com a pretensão de ser uma escola de formação, mas para isso ainda precisa obedecer a critérios burocráticos que, acredito, serão concretizados futuramente para que os alunos possam sair de lá com diploma de formação nas áreas que cursarem. A Escola de Artes desempenha um papel muito importante em Mossoró.

PRN – Boanerges, o que a arte, em especial a dança representa na sua vida?

BOANERGES – A minha cabeça mudou com relação a dança. Eu sei que tenho facilidade para dançar, mas tenho consciência que não tenho a técnica necessária para ser um bom bailarino. Eu gosto de assistir a tudo, até mesmo as “dancinhas” eu bato palmas, mas o que me encanta mesmo hoje, são os grandes espetáculos de dança, onde a técnica é perfeita. Vejo alguns espetáculos e fico me perguntando como eles conseguem fazer aquilo. Mas, independente, de ter ou não técnica, a dança me faz sentir livre. A dança me transforma. Eu me sinto muito feliz quando danço, a dança me faz sentir vivo.

 

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