Não se trata do espetáculo que evoca a saga da cidade contra o Rei do Cangaço, a história escrita por Tarcísio Gurgel, anualmente encenada a céu aberto, no mês de junho, encenação essa aprimorada a cada edição, de modo que se pode dizer que esse tipo de apresentação é atualmente um evento marcante da cidade de Mossoró, cujo sucesso constitui diferencial na competição regional com outras cidades que têm tradição até mais antiga na promoção das festas juninas.
Nem mesmo eram de balas os estampidos ouvidos naquele início de tarde de um dia dos anos 1960, provavelmente 1965. Mas foi intenso, demorado e assustador o “tiroteio”. A cidade tinha pouco mais de dez bairros distribuídos concentricamente a partir do centro da cidade, envolvendo esse centro. Número de automóveis incomparavelmente menor que o atual, tudo contribuindo para que manhãs e tardes se desenvolvessem silenciosas em que até uma conversa em tom mais alto podia ser ouvida a boa distância. Da noite nem precisa falar. Nos primeiros momentos dessa tarde, a cidade acabara de ouvir o apito da sirene da usina termelétrica da Comensa, a companhia de eletricidade, som a que já estava acostumada e servia de referência para o início do segundo turno de trabalho em fábricas, repartições e qualquer coisa que tivesse horário para começar. De repente começa a sequência de “tiros”, impressionante pela quantidade, intensidade do barulho e do ritmo como se partissem de armas automáticas e pela duração do bang-bang, deixando claro que não se tratava de pouca coisa.
Seria novo ataque de Lampião? Se fosse estaria ruim, pois cidade não fora avisada e, consequentemente, não se preparara como em 1927. Mas o cangaceiro nem mais existia a essa altura. Vivia-se o período da guerra fria, entretanto o medo então era dos mísseis que já haviam sido desenvolvidos, embora sem o alcance dos atuais e que há pouco haviam causado temor quando a então União Soviética ensaiou mandar alguns deles para mais perto dos Estados Unidos, aos cuidados de Fidel Castro. Mas não era factível que Mossoró tivesse sido escolhida para começar a esquentar a guerra.
O que ocorreu mesmo foi que uma faísca desavisada atingiu uma barraca de fogos no pátio do lado sul do Mercado Central. Toda venda desses explosivos se concentrava nesse espaço e o rastro de fogo se espalhou como dominó por todas as barracas. Um posto de gasolina situado ali mesmo, na época, por sorte não foi atingido. Esclarecido o que acontecera, foi um alívio geral para as pessoas que em suas casas já juntavam os parentes na expectativa de morrerem juntos. O susto foi grande.