CRÔNICA

A CIDADE IDEAL

Veículos surgem de cada cruzamento, multiplicam-se na paisagem caótica das ruas. Misturam poluição química, sonora, visual. Dão a impressão de que toda paciência possível já foi exercida até o momento em que se tenta parar em algum lugar e se constata que uma quantidade igual de resiliência ainda é necessária para lidar com a literal ocupação da cidade por uma miríade de automóveis: não há onde parar. Se em movimento as ruas são quase insuficientes para eles, parados não há lugar para nenhum. Nas ruas ou mesmo nos estacionamentos particulares. Entre os que conheceram a cidade em outros tempos e circunstâncias muitos sentem a nostalgia de lembrar um ou outro carro a deslizar moderadamente por ruas largas e alguns caminhões a arrastarem suas cargas a vinte quilômetros por hora. Mas lá nos agora chamados “bons tempos”, o sentimento seria de ansiedade pelo progresso futuro que propiciaria bens e mais facilidades, inclusive o conforto e rapidez nos deslocamentos, privilégio então de uns poucos.

As ruas de Mossoró eram quase todas de terra. A exceção ficava com meia dúzias de logradouros no centro da cidade, sendo dois ou três capeados de asfalto. Para se ter uma ideia, somente em meados dos anos 1960 a Av. Dix-sept Rosado, em plena quadra central ganhava um piso de paralelepípedos. Os poucos carros e caminhões circulantes só tinham, geralmente, algum contratempo quando, em alguns trechos, o solo menos denso fazia as rodas deslizarem até afundar em um areal pouco amistoso para com os motoristas, demandando a força de voluntários ou o uso de alguma máquina para sair do “atoleiro”. A partir da década seguinte essa realidade se transformaria com relativa rapidez. Mais ruas, mais asfalto, mais carros, mais dificuldade de tráfego, menos estacionamento, menos paciência.

Sem pretensões de explorar o fenômeno, nossa atitude diante de realidade de cada momento reflete a tendência humana de imaginar uma época, no passado ou no futuro, somente ou, pelo menos preponderantemente, de benesses. Não por acaso é isso que nos sugere a propaganda. O marketing indutor do consumo ou a palavra do líder. O lançamento da indústria automobilística apresentado na TV não mostra apenas suas inovações tecnológicas, avançados e encantadores desenhos, itens de segurança e tecnologia embarcada. Mostra especialmente um carro flanando livre por ruas que são só dele, ou seria só sua, o comprador, seguindo tranquilo a olhar a paisagem num passeio que parece não ter destino definido. Mas cabe aos que habitam as cidades mais que esperar, agir para que ela seja sempre amiga e agradável aos nela vivem ou que a visitam. Em qualquer época.

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