CRÔNICA

ARTE E POESIA DE PALHA

O chapéu de palha era para a população nordestina, nos campos e periferias das cidades, equipamento de proteção contra o sol causticante, no trabalho, mas também hábito em qualquer ocasião, sinal de dignidade que só descobria a cabeça para reverenciar o que era maior e maior era o que sintetizava sua fé. O chapéu de couro era mais próprio do vaqueiro e os chapéus finos, de outros materiais, podiam ser usados em ocasiões especiais. Mas o de palha era universal. Palha da carnaubeira, outro símbolo da região, que ereta, também cobria a terra com sua sombra, desafiando secas e calor.

De palha eram também as vassouras que varriam casas, terreiros e quintais. Esgotada sua vida útil, elas também viravam lixo, mas lixo que não precisava de reciclagem, não comprometia o equilíbrio do planeta, reincorporado à natureza, de onde viera e agora voltava em um processo dinâmico da auto-renovação que mantém a vida na terra, como a conhecemos.

Diversos utensílio usados nas casas do Nordeste eram também de palha de carnaúba. O abanador que agitava o vento, acendia o fogo de lenha e o fogareiro de brasas também era o nosso leque que abrandava o calor tão característico até que o vento nordeste açoitasse por entre nossas várzeas empurrando para além o mormaço. Os cestos, de diversas serventias tanto podiam ser fetos de cipó como de palha. A arupema, tipo de peneira usada geralmente na preparação de alimentos de milho, para separar a massa do excesso de água. Mas a palha era soberana na fabricação das bolsas que acompanhavam nossa gente aos mercados e às compras de quaisquer mercadorias, das carnes, cereais, frutas e verduras e tantas mais. Bolsas de todos os tamanhos, algumas com capacidade para volumes de peso considerável circulavam principalmente nas manhãs, pelas mãos de homens e mulheres que as seguravam pelas alças, a mão em pinça palmar deixando os dedos vermelhos e dormentes, na dependência do peso, mas orgulhosas as pessoas, pois ali estava a garantia da alimentação da família e o atestado da capacidade de cada um de prover sua existência com produto do trabalho digno. E se o poder aquisitivo não permitia uma mobília caseira incluindo uma mesa de madeira e cadeiras, uma esteira também de palha era estendida no chão para o rito das refeições. Se necessário, elas também eram uma espécie de tapete para um sono gostoso no terreiro banhado pela lua.

Até adornos, painéis em macramê e proteção de luminárias e muitas outras coisas mais era possível fazer com palha de carnaúba. E, à noite, era o vento que tirava de suas palmas uma música singular que só quem viveu o Nordeste daquele tempo conhece e lembra que dormiu com esse acalanto.

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