Entrevista

Conversa da Semana com João Paulo Barbosa

O cearense João Paulo Barbosa decidiu cedo que gostaria de estudar Direito. Um curso com boas perspectivas profissionais, mas bastante concorrido nas universidades públicas. Muitas barreiras a serem superadas, imaginava, especialmente por sua condição de deficiente visual. Nada, porém, foi empecilho para que fraquejasse em seu propósito. João Paulo formou-se no curso pretendido, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) no início desse mês. Um exemplo de força de vontade. Natural de Aracati, João Paulo, filho dos agricultores Francisco Barbosa Carvalho e Maria Zilma Barbosa e na Conversa da Semana, nos conta sobre seu feito, seus sonhos, sua luta, seus desafios e das demais pessoas com deficiência. Veja na íntegra:

Por Márcio Alexandre

PRN – Conte-nos um pouco sobre sua história de vida.

JOÃO PAULO BARBOSA – Bem, tenho 36 anos nasci na cidade de Aracati CE. Filho de família simples da zona rural, fui o terceiro filho de um total de 4, e  a  primeira pessoa com deficiência visual na família. Nasci com baixa visão intensa que, ao longo dos anos, evoluiu para cegueira. A partir do meu nascimento e  identificando os primeiros sinais da deficiência, minha mãe iniciou uma busca incessante pelo meu diagnóstico o qual veio quando eu já tinha, aproximadamente, cinco anos e somente depois de muitas consultas a diversos especialistas e realização de muitos exames.

PRN – Qual foi o seu primeiro sentimento quando ficou sem a visão e o que foi determinante para que você não fraquejasse?

JPB – Este período – de idas e vindas a muitos oftalmologistas – foi marcado pela ansiedade e por incertezas – sentimentos muito comuns entre pais de pessoas com deficiência. Na busca por uma conclusão final, convivi com diagnósticos imprecisos, prescrição indevida de óculos; até, enfim, chegar à constatação da cegueira. como bem relatei no meu trabalho de conclusão de curso, a  família nesta etapa enfrenta um misto de sentimento, bem como as incertezas, as preocupações dos meus pais, situaram-se: no processo de adaptação do ambiente familiar; na minha inserção no convívio social; na aceitação da cegueira e nos seus reflexos no cotidiano de toda a família. Neste sentido, determino a  família como ponto central neste processo de superação.

PRN – Fale-nos sobre sua escolha pelo curso de Direito e a UERN.

JPB – A  escolha pelo curso de Direito nasce do sentimento já desenvolvido no percurso do Ensino Médio. É o  desejo de compreender a sociedade e os fenômenos sociais; é um desejo de investigar e  compreender todo este processo de justiça, e porque não dizer, injustiças. Quanto à  UERN, era um desejo que este processo ocorresse na mesma, ainda que não conhecesse toda estrutura, mas em uma visita ainda no Ensino Médio em 2013, nasceu um sentimento que seria ali que eu iria vivenciar esta conquista.

Digo que a UERN hoje encontra-se em uma posição de destaque quando se fala de inclusão.

PRN – A vice-reitora Fátima Raquel lembrou, na colação de grau de sua turma, que a UERN ainda não está totalmente preparada para acolher pessoas com deficiência. Quais as dificuldades que você enfrentou na faculdade?

JPB – De fato sempre falo que a  inclusão é  um processo em evolução, e  de certa maneira, estamos evoluindo, mesmo se observarmos que esta preocupação com esta temática ainda é nova. Digo que a UERN hoje encontra-se em uma posição de destaque quando se fala de inclusão. Isto se confirma através do papel da Diretoria de Políticas e Ações Inclusivas (DAIN) como instrumento mediador do aprendizado. Contudo, sempre falo que o  processo inclusivo ainda anda distante de ser uma obra acabada na sociedade, e na universidade não é  diferente. Disso vem as dificuldades enfrentadas por uma pessoa com deficiência, no meu caso visual. Foram  entre estes obstáculos: o espaço físico sem acessibilidade, notado por todos, sentido por nós pessoas com cegueira, em que um percurso entre blocos desprovido de acessibilidade torna-se um desafio chegar a  determinados locais. Vem ainda os desafios no ensino em relação a alguns docentes que ainda não estão prontos para este fenômeno que é a pessoa com deficiência em sala de aula. No entanto, visualizo com alegria o  destaque que a  UERN dá para este processo de inclusão. Mais animado fico quando a  professora Ana Lúcia Oliveira Aguiar, hoje à frente da DAIN, cuida com tanto zelo desta temática, e  penso que a  inclusão sendo esta soma de esforços, o  segredo de um ambiente inclusivo passa impreterivelmente pela aproximação dos mais variados setores no âmbito da universidade.

PRN – De modo geral, como você analisa a forma como a sociedade trata as pessoas com deficiência?

JPB – Além do preconceito, que observo que hoje vejo ser menos se comparado a outros tempos, existe ainda a desinformação de como lidar com estas pessoas. Questionamentos tais como: como uma pessoa com cegueira age no cotidiano? Como estuda? Como atuam em determinadas áreas profissionais? Penso que será dando oportunidade para estas pessoas se apresentarem na sociedade que tais informações chegar/ao à parcela da sociedade que ainda desconhece sobre a  pessoa com deficiência.

A pessoa com deficiência, assim como tantas outras minorias, não pode aceitar qualquer mínima previsão de redução das conquistas

PRN – Com a forma como o atual governo federal trata as minorias, você acredita que teremos algumas conquistas futuras para as pessoas com deficiência? 

JPB – Os direitos das pessoas com deficiência são uma conquista que vem se notabilizando na sociedade nos últimos anos. Digo que os últimos 30 anos foram muito favoráveis à conquista de direitos, reconhecimento da pessoa com deficiência e sua capacidade para vida em sociedade. Tivemos mesmo agora em 2015  a Lei 13.146, Lei Brasileira de Inclusão, que foi nossa maior conquista. Além de tratados, sobre tudo, a conscientização da sociedade a respeito destes direitos, e os deveres do Estado para estas pessoas. Ainda que uma sombra de um provável retrocesso pareça macular nossas conquistas, digo que elas já estão sólidas na sociedade, o que temos é  que ficar atentos para que a sociedade com ou sem deficiência renegue qualquer possibilidade de retrocesso nestes direitos. A pessoa com deficiência, assim como tantas outras minorias, não pode aceitar qualquer mínima previsão de redução das conquistas que sabemos que para muitos custaram bem mais que esforço, para alguns custaram a  sua dignidade, e  por que não dizer, custaram a vida.

PRN – Fale-nos sobre o objeto do seu trabalho de monografia. O que você pretendeu enfatizar com sua produção acadêmica?

JPB – Foi um trabalho em que emprestei minha vivência de 5  anos no Ensino Superior para pontuar os desafios, e  sobre uma análise de um autor, e ao mesmo tempo ator deste processo de inclusão no ensino superior. Busquei, por meio de minha história, desde o Ensino Fundamental até aqui na conclusão do Ensino Superior pontuar todos os obstáculos, oferecendo possíveis soluções, buscando respostas, e  por vezes indicando por minha experiência de vida o caminho a  ser trilhado seja dentro ou fora da universidade no que se trata a  temática da inclusão.

PRN – Que atividade da área jurídica você pretende desenvolver e quais são suas perspectivas pessoais nesse aspecto?

JPB – Quero a  docência, todavia, não desprezo as oportunidades que a  área jurídica fornece, neste sentido é  que vou prestar o  exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e encarar o  desafio da advocacia. Contudo, neste caminho pretendo me qualificar, por entender que estudar tem que ser o oxigênio que me guiará a  meu objetivo primário que como bem registrei: o  da docência.

Que as políticas inclusivas não sejam simplesmente objetivos escritos no frio papel e  engavetado por aí.

PRN –  Como a sua história de superação pode contribuir para que outras pessoas com deficiências possam superar barreiras? Como isso é possível?

JPB – Se ao emprestar minha história servir de alguma forma para que outras pessoas com deficiência visualizem um caminho a seguir para buscar seus objetivos de vida, ótimo. Porém, digo que bem mais que exemplo de pessoa que superou as dificuldades e  conquistou parte dos objetivos, quero bem mais que isso, desejo está ao lado destas pessoas cobrar do Estado a efetivação dos comandos normativos, e que as políticas inclusivas não sejam simplesmente objetivos escritos no frio papel e  engavetado por aí. Quero retribuir levando esta temática e  convidando todos, seja os com ou sem deficiência a nos juntarmos nesta luta.

PRN – O espaço fica aberto para suas considerações finais.

JPB – Fica o  agradecimento pela oportunidade de manifestação, seja da minha experiência, ou sobre a  temática da pessoa com deficiência e  o processo inclusivo. É  preciso que a  máxima nada para nós sem nós seja um lema cada vez mais difundido em todos os espaços. Ouvir a pessoa com deficiência, é  entender todas as peculiaridades que sublinham este mundo ainda tão desconhecido.

 

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