OUVINDO OS CLARINS
Houve tempo em que expressões como ‘tríduo momesco” “três dias de folia” e outras eram alternativas para se referir ao carnaval, a festa que antecede a Quaresma e que oficialmente ocorre de domingo a terça-feira, véspera da Quarta-feira de Cinzas. Mas o carnaval nunca foi uma festa de três dias. A bagunça criada pelos romanos começava no início do ano, após o Dia dos Santos Reis. No Brasil, o Sábado de Zé Pereira já alargava o período contínuo de folia, mas o fuzuê começa na passagem de ano, ou seja, já ganha dos romanos em uma semana. Daí em diante, festas pontuais em clubes, residências e outros espaços, chamadas de pré-carnavalescas, são de fato o carnaval e sua plena contestação de regras.
O carnaval no Brasil tomou características tão particulares que muita gente pensa ser um evento exclusivamente brasileiro, o que não deixa de ser verdade, em parte, se consideramos o jeito diferente dos festejos nesses trópicos. O desenvolvimento do processo cultural aos poucos foi mudando muita coisa e com as barulhentas comemorações elevadas à categoria de empreendimento, transformadas em negócio, outras tiveram que se adaptar.
Elemento indissociável da festa, músicas de carnaval eram categoria à parte na produção fonográfica brasileira. Restritas aos ritmos frevos, marchinhas e sambas, tinham tempo próprio para serem lançadas, a partir de novembro do ano anterior, e além de temas comuns, como romantismo, amores desfeitos ou promissores, elas exploravam novidades nos costumes, nas ciências, nas transformações sociais e, com acurácia cirúrgica, a corrupção na política e nos negócios. Enalteciam feitos nos esportes e em qualquer outra área e, sobretudo, traduziam em letras e notas musicais o entusiasmo e a alegria fundamentais daquelas manifestações.
Cantores nacionais consagrados disputavam a preferência popular com suas participações a cada ano, no carnaval, mas artistas conhecidos de outras áreas das artes de diversão eram obrigatórios, interpretando marchinhas de letras irônicas, cheias de entrelinhas concertantes com a imagem que o público tinha do artista. Era o caso de Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, Dercy Gonçalves, Catalano e outros. Nessa leva, até apresentadoras de rádio e TV entravam na onda de cantores. Chacrinha e Silvio Santos cantaram inúmeros sucessos carnavalescos. Raul Gil, José Messias e outros também viraram cantores no carnaval. Nas rádios do Nordeste, os frevos de Capiba e Nelson Ferreira, na voz de Claudionor Germano, depois de serem ouvidos por décadas, converteram-se em retrato sonoro de carnavais, impresso indelevelmente na memória.