OLHA O LEITE!
Palavras como pasteurização, pasteurizado, não eram conhecidas de muitas pessoas entre nós, até meados dos anos 1960. Elas vieram junto com o leite embalado em saquinhos plásticos ou em embalagens chamadas longa vida.
O costume fez com que a novidade levasse tempo para ser aceita. O “leite bom” era o comprado diretamente do produtor, de preferência ainda no curral onde podia ser até experimentado com o quente do peito da vaca. Com uma pedra quase incandescente dentro do copo, se era para curar “tosse braba”. E os currais não estavam apenas na zona rural. Era possível encontrá-los em todos os bairros (que não eram tantos) e até no centro. Em plena Rua Mário Negócio, esquina com a então Rua 13 de Maio, onde está hoje um templo evangélico, havia um, pertencente a conhecido criador.
Pequenas criações localizadas nos arredores, nos sítios e comunidades rurais, eram a principal fonte para os leiteiros, personagens que faziam parte da paisagem da cidade, nas bucólicas manhãs, mal o sol clareava as ruas de piso de areia. O leite transportado em recipientes de alumínio, popularmente chamados “bules”, acomodados estes em caixotes simetricamente distribuídos sobre lombos de burros ou em carroças puxadas pelos ditos cujos. Da Várzea da Pasta, Bom Jesus, Camurupim, Barrinha, Santo Antonio, Pau D’arco, Passagem de Pedras, Rincão, Tabuleiro Alto, Alagoinha, eles vinham e faziam circuitos fixos pelos bairros. Eram conhecidos da população que os aguardava diariamente naquele horário, acordando os moradores com o familiar pregão “olha o leite!” gritado no estilo, entonação e timbre de cada um, o que servia também para identificá-los. O leite era vendido na quantidade desejada por cada cliente, na medida padrão de um litro ou em volumes menores, envazado em garrafas de vidro originalmente usadas para alguma bebida industrializada, lavadas e higienizadas especialmente para a nova função.
Era corrente a fama (em certos casos merecida) de alguns leiteiros que, aproveitando o momento sugestivo da travessia dos rios ou margeando alguma lagoa, cuidavam de aumentar o volume do produto, o chamado “leite batizado”, embora se possa dizer que ele não era “muito católico” ou adepto de alguma religião.
Com novas normas sanitárias, que proibiam a venda no leite “in natura” surgiram as usinas de pasteurização e popularizaram-se as informações sobre os riscos do consumo do produto não tratado. Mas, os leiteiros não desapareceram de todo. Trocaram o burro pela motocicleta e são bem mais raros. Serão certamente desconhecidos de futuras gerações.