O ESCRETE DE OURO
A seleção brasileira masculina de futebol é única pela presença em todas as Copas do Mundo realizadas. O amarelo da camisa e, especialmente, os times que fizeram do Brasil o maior colecionador de títulos desse certame até aqui, motivaram a que fosse chamada de escrete de ouro. Somando isso à popularidade no país, do esporte conhecido no mundo como “Football” e nos Estados Unidos como “soccer”, não surpreende que os jogos da “seleção” tenham sido, ao longo desses anos, eventos incomuns de mobilização nacional, mesmo em um “amistoso” qualquer. Na Copa do Mundo, então, virava fenômeno digno de tese universitária de sociologia.
Em um país, felizmente, sem história maior de guerras e catástrofes semelhantes, os jogos da copa sempre impressionaram pelo interesse popular, desde antes da primeira conquista, em 1958, e mais ainda depois dela. Convicções religiosas, políticas, ideológicas; diferenças de classe social, capacidade econômica, nível intelectual; preferência clubística, nada limitava o congraçamento, dito patriótico, de uma população transformada momentaneamente em torcida, aí incluídos, evidentemente, aqueles que no jogo de futebol só sabem mesmo quem é a bola. Literalmente, fechava o comércio. Expediente terminando mais cedo, ponto facultativo, ruas embandeiradas, o verde e amarelo promovendo a venda de pipoca a automóvel, mesas postas, bebuns contumazes aproveitando a ocasião e comemorando com mais entusiasmo, expectativa lá no alto quanto a mais um título, ignorando que do outro lado também havia craques. Todos os rádios ligados, várias estações e um mesmo tema, locutores entusiasmados desafiando os limites das cordas vocais. A partir de 1970 a televisão, um momento de deslumbre. O televisor, aparelho ainda raro nos lares brasileiros, residências virando estádios a receber prazerosamente os televizinhos.
O interesse pelos jogos da “seleção” diminuiu. A performance do time explica, pelo menos em parte. A desorganização já ocorreu antes sem alterar a empatia. Os “esquemas de jogo” são excessivamente burocráticos e a qualidade caiu. Os narradores tentam e mesmo quando a bola bate na canela de nossos craques e sai pela lateral eles exclamam: Que talento! Precisam “vender o peixe”. Se durante metade do tempo de jogo os zagueiros tocam bola lateralmente entre si e daí para o goleiro, a pelota não vai ao gol do adversário, mas ao final tem o engodo estatístico do “tempo de posse de bola”. Na verdade, essa posse só era importante para que o garoto perna de pau da pelada entrasse no time. Do contrário ele levava a bola para casa e não tinha jogo. Aquilo, sim, é que era “valorizar a posse de bola”.