CRÔNICA

LOGÍSTICA REVERSA

O primeiro agente de logística reversa que conheci era meu vizinho. Mas, naqueles meados da década de 1950, ela não sabia disso. Morreu sem saber.

Saia de manhã com um saco às costas, comprando garrafas vazias que a população tinha em casa para vender a intermediários, que por sua vez, repassavam para as indústrias que reutilizavam as embalagens de vidro, prevalentes à época para uma infinidade de produtos. Saía bom e voltava bêbado. Inexplicavelmente, não se tem notícia de que, um dia, quebrou alguma garrafa.

O interesse no reaproveitamento de embalagens era meramente econômico. Era mais barato do que produzir nova embalagem. No posto inicial da cadeia que constituía o que se chama hoje de logística reversa o “coletor” básico era apenas o trabalhador não qualificado que ficava com a menor parte do lucro, mas não pensava muito nisso já que o mundo real não lhe oferecia melhor opção. Só por isso ele estava ali. Mas a atividade de reciclagem não se restringia ao vidro. Antes do surgimento e popularização do plástico, o osso era matéria prima de inúmeros artefatos, do pente ao cabo de ferramentas, como facas. Ao consumir carnes bovinas, caprinas etc, a população, sobretudo a economicamente mais modesta, comprava as peças geralmente com o osso, que depois ia parar no lixo doméstico e era levado pela coleta para os lixões. Nesses locais eram apanhados por pessoas na mesma situação econômica dos “garrafeiros” e vendidos para a indústria, sempre com o intermediário pelo meio do caminho.

Outro material fartamente reaproveitado era o “flandres”, folhas de metal laminado de que eram feitas as latas que embalavam produtos alimentícios e de outra natureza. Na mão de artesãos, viravam bacias, tigelas, lamparinas, calhas para coleta de água de chuvas, entre outros utensílios. Por essa via, um dia terminavam inevitavelmente como lixo, mas até lá, deixavam de sobrecarregar o meio ambiente, embora, repita-se, esse não fosse, então, o sentido e a motivação do procedimento.

Certamente estas não foram as primeiras ações de reaproveitamento de materiais. Mas precedem o movimento mundial atual pela reciclagem, quando a humanidade não sabe mais o que fazer com os resíduos que produz, especialmente os não degradáveis ou que levam tempo extraordinariamente longo para se consumir. Isso confere à atividade status de fundamental para a sobrevivência na terra. Antes, era apenas trabalho humilde, opção de renda mínima e preconceito contra aqueles que o exerciam. Tanto que, para xingar alguém, era comum mandar-lhe “catar osso”.

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