CRÔNICA

LADRÕES DE GALINHA

No tempo em que havia galos, noites e quintais havia também os ladrões de galinha, que eram quase uma instituição. Nas cidades brasileiras cada bairro ou região tinha os seus, aqueles identificados com a categoria. Nem sempre eram os autores do furto. Mas eram sempre os primeiros alvos da suspeita (para não dizer convicção) do “prejudicado”, toda vez que alguém, protegido pela sombra da noite, incursionava em um quintal e desfalcava o chiqueiro de uma ou mais “penosas”.

O camarada geralmente morava perto, mas como também era criador de galináceos, não ficava difícil disfarçar o produto do afano dentro de seu próprio plantel ou, alternativamente, esconder por algum tempo antes de transformá-lo em almoço especial, ostentação digna de se convidar toda a vizinhança, não fosse a necessidade de não alimentar “suspeitas infundadas”. Não se perdia tempo abrindo um inquérito para apurar essas abduções aviárias. Uma queixa na delegacia levava imediatamente à lembrança do nome da “raposa” contumaz da área, mas a prova material era descaracterizada muito rapidamente, transformada em canja. A chance de frustação do “empreendimento” era resumida à possiblidade de o “empreendedor” ser surpreendido com a mão na massa (ou nas asas) situação que se resolveria com um acalorado bate boca e o resgate da candidata a futura cabidela.

Com o adensamento das cidades, as noites permanecem noites, mas os quintais foram desaparecendo, até mesmo antes dos grandes edifícios de apartamentos. E com eles os galos, galinhas e seus amigos noturnos. O roubo de galinha passou a simbolizar infração menor e seus autores pobres coitados que não evoluíram na arte de surrupiar com o emprego de técnicas muito mais sofisticadas e resultados capazes de tornar o vilão em barão, respeitado e admirado. Passou a ser comum ouvir-se que no Brasil só se prende ladrão de galinha, embora não seja tão evidente assim que autores de tais delitos fossem presos ou ficassem muito tempo atrás das grades por esse motivo.

O folclore brasileiro instituiu um dia em que roubar galinhas era uma brincadeira, uma aventura disponível mesmo para quem não tinha o hábito do “trabalho penoso”. Mas também pode ser entendido como uma homenagem aos praticantes da arte.  Nesse dia (ou noite) galinha dormia dentro de casa e até mesmo os notáveis “encantadores de frangos” vigiavam seus poleiros com o mesmo afinco com que se dedicavam a vigiar os poleiros dos outros. Pois sabiam que ladrão que rouba ladrão…

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