E O PALHAÇO O QUE É?
A atmosfera de um espetáculo de circo é, de fato, diferente. No ambiente limitado pelas lonas é possível experimentar a novidade das coisas vistas tantas vezes antes. Sua capacidade de encantamento, independentemente da idade da plateia e da riqueza do circo, transcende mudanças culturais introduzidas pela inteligência artificial, em que não se sabe se o que se está vendo é concreto ou, pelo menos, aquilo que os sentidos naturais concebem como concreto, ou só existe no âmbito da realidade virtual. O ilusionismo dos mágicos surpreende e o realismo dos trapezistas voadores ou do globo da morte tensiona os nervos e dá frios na barriga. Mas logo vem o riso do palhaço que distensiona e a plástica dos bailarinos que enleva.
Aqui lembramos o circo através das estratégias de divulgação de suas apresentações, da forma de atrair o público, de chamar a plateia. Hoje, isso se faz com anúncios na televisão e redes sociais e aviões ultraleves são usados na propaganda móvel. No passado esse chamamento era presencial, próximo das pessoas, de modo a antecipar um pouco o próprio espetáculo. Conforme a estrutura da companhia circense, acontecia o passeio de animais, especialmente elefantes, sobre carretas em que também podiam se apresentar bailarinas, malabaristas e palhaços. As pessoas paravam para ver. Deixavam seus afazeres, em casa, no comércio, nas repartições, para apreciar por alguns momentos aquele desfile, à semelhança da descrição feita pelo compositor diante da imaginada passagem da banda de música pelas ruas de uma pequena cidade.
Pequenas e médias companhias, entretanto, tinham uma forma de anunciar menos pomposa e muito divertida, a caminhada do palhaço pelas ruas, sobre pernas de pau ou ao rés do chão, acompanhado por uma “troupe” recrutada entre crianças mais afeitas às ruas que entoavam um coral em resposta aos bordões: “Hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor! Oito horas da noite? Tem sim, senhor!”; “E palhaço o que é? É ladrão de mulher!”; “Papai, mamãe, Miguilin tá nu…. a camisa que ele tem é de pano azul”. Em troca os “ajudantes” garantiam a entrada para assistir à função daquela noite. Mas não podiam tomar banho até lá, pois, como hoje existem as pulseiras para identificar quem é autorizado a ingressar em um show ou evento, uma marca com carvão era feita no antebraço do garoto e se desfaria com a lavagem.
As ruas já não são compatíveis com aqueles palhaços. Mas, ao contrário das marcas de carvão no braço de seus animados coristas, a lembrança desse cenário, pelas ruas de terra de nossos bairros, as tardes fluindo calmas na expectativa da diversão daquela noite, é indelével.