CRAQUE NA PELADA
“Só não fui guia de cego (ai, ai, ui, ui), mas fui craque na pelada”, cantou Ary Lobo. A história da música popular brasileira está devendo um mínimo de reconhecimento ao talento desse cantor e compositor, mas, aqui, os versos da música “Tempo de Menino” entram apenas para introduzir breve reflexão sobre transformações no modo de formar grandes jogadores de futebol, no mundo todo e particularmente no país que até se orgulha de ter seu nome associado internacionalmente a esse esporte.
O campo de pelada era o berço do craque. Se fosse para citar nomes haveria que se listar todos os que se destacaram no futebol na América Latina em um passado não tão distante. Garotos soltos nas ruas e terrenos baldios e qualquer coisa mais ou menos esférica e que não fosse uma pedra servia para o embate entre “times” formado na mesma hora. Dois jogadores reconhecidos entre os melhores do grupo escolhiam alternadamente os respectivos companheiros, de modo que um time não ficasse muito superior ao outro, embora a coisa puxasse um pouco para o lado daquele que fazia melhor as primeiras escolhas.
Diversas eram as determinantes para que o menino passasse do jogo de rua a competições um pouco mais organizadas, ainda que não excedessem a categoria de “pelada”. A principal era a habilidade com a bola. O crescimento, na idade e no futebol, levava-o a jogar por um dos clubes do campeonato oficial da cidade, geralmente amador, onde poderia cumprir toda uma carreira simplesmente diletante ou (excepcionalmente) ultrapassar essa barreira e, um dia, brilhar nos principais palcos do futebol brasileiro.
A formação do craque mudou. Garotos com “jeito” para a bola são identificados em qualquer parte do país e, de repente, passam a receber suporte de grandes clubes para desenvolver o talento que parecem ter, incluindo, geralmente, alimentação, escola, apoio psicológico entre outras coisas. Tornam-se a grande expectativa, particularmente da família, geralmente muito carente, e alguns realmente ascendem ao sonhado patamar dos esportistas extremamente bem pagos, em diferentes países. Lamentavelmente, não obstante os cuidados envolvidos, as expectativas e responsabilidades crescentes podem ultrapassar o nível suportado pela estrutura psicológica de muitas desses jovens e a história de sucesso que teria ampla divulgação nos meios de comunicação transformar-se em drama pessoal. Para esses, melhor teria sido o sonho dos antigos craques de pelada: chegar ao time principal de sua pequena cidade, ter uma vida simples e um pequeno acervo de troféus para se orgulhar e para mostrar aos mais novos.