O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MP/RN) anunciou, essa semana, que ajuizou ação para que a Justiça obrigue o Estado determine a volta das aulas presenciais. Chamou a atenção que o MP impetrou a ação de forma digital e concedeu entrevista coletiva à imprensa para falar sobre a questão de forma remota. As críticas também advém do fato de que o país vive atualmente a fase mais catastrófica da pandemia da covid até agora. Essas são algumas observações feitas pelo professor Rômulo Arnaud, da delegacia regional do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte (SINTE/RN). Acompanhe a Conversa da Semana deste sábado:
Por Márcio Alexandre
PORTAL DO RN – O SINTE tem conseguido visualizar uma justificativa racional para que o MP queira o retorno das aulas presenciais?
RÔMULO ARNAUD – Nós do SINTE e a categoria não conseguimos entender porque essa postura do Ministério Público nesse momento. O país vive o ápice da pandemia, nos últimos dois dias morreram mais de 8 mil pessoas (terça e quarta-feira), ainda estamos em crescimento, nesse momento existe fila de espera para ocupar as UTI´s (Unidades de Terapia Intensiva) no Rio Grande do Norte, e para ocupar os leitos clínicos. É irracional você querer iniciar as aulas presenciais nesse momento. Hoje os cientistas dizem que a educação sozinha representa 30% do distanciamento social que existe, questão que é discutida diariamente. Se a educação voltar, o distanciamento social praticamente acaba no país e com isso nós teremos um índice de pessoas infectadas muito maior. Então a gente não consegue entender essa atitude do Ministério Púbico nesse momento, inclusive com argumentos que não se sustentam.
PRN – Não é uma incoerência do MP querer aulas presenciais quando quase todas as suas atividades estão ocorrendo de forma remota?
RA – O Ministério Público fez o anúncio do ajuizamento da ação pra forçar o governo a voltar as aulas presenciais, de forma remota. O MP convocou uma entrevista coletiva de forma remota e vem fazendo seu trabalho de forma remota, o chamado teletrabalho. E recentemente prorrogou o prazo desse trabalho remoto. Tem um ditado popular e antigo que diz assim: farinha pouca, meu pirão primeiro. Então a gente vê com muita incoerência o Ministério Público, que tem muito mais condições e espaços muito mais adequados, trabalhar de forma remota e querer que professores, que vão estar com alunos, 4, 5 horas, com uma quantidade grande de alunos, alunos pequenos, e que terão muita dificuldade de obedecer aos protocolos, querer que esse professores votem a trabalhar de forma presencial nesse momento em que a pandemia ainda está crescendo, ainda não estamos nem no platô, crescendo o número de infectados e mortos no país.
PRN – Como tem sido o sentimento da categoria em relação a essa proposta do Ministério Público?
RA – A categoria vê com preocupação e até com indignação essa posição do Ministério Púbico. É claro que a gente reconhece a importância do Ministério Público como órgão fiscalizador, como instituição que defende os interesses da sociedade, porém defender a volta das aula presenciais, sabendo como são as escolas públicas estaduais e municipais, e considerando o momento da pandemia, quando cientistas defendem que deveríamos ter um lockdown total, então o Ministério Púbico vai na contramão do que os grandes cientistas brasileiros estão preconizando, estão defendendo.
PRN – Quem, além do SINTE, tem defendido a inclusão dos profissionais da educação entre as prioridades no processo de imunização?
RA – O Sinte, outras entidades sindicais e determinados setores da sociedade, o Governo do Estado, inclusive a governadora do Rio Grande do Norte é uma das vozes a nível nacional que tem defendido que é necessário aumentar o processo de imunização da população, e coloca os professores como prioritários haja vista a atividade que o professor desempenha e o contato direto com os alunos. O próprio governo, o professor Getúlio Marques, secretário estadual de Educação, tem insistido nessa tese de que é necessário, assim como outros setores, saúde, segurança púbica, vacinar os trabalhadores da educação e vacinar a população como um todo. Infelizmente houve descaso com o processo de vacinação. O Governo Federal poderia ter feito um contrato com a Pfizer lá em agosto e não fez. O processo de imunização no Brasil é muito lento e claro que isso está repercutindo na quantidade de pessoas infectadas e de mortes, essa tragédia que estamos vivendo nesse momento.
A categoria vê com preocupação e até com indignação essa posição do Ministério Púbico.
PRN – Como tem sido para os professores ter que ministrar aulas remotas?
RA – Os professores tem se desdobrado. Quem acha que os professores não estão trabalhando, estão ganhando sem trabalhar, de fato não conhece nossa realidade, não conhece nossa categoria. Os profissionais da educação estão trabalhando muito. Os professores estão trabalhando de forma remota, tiveram que comprar equipamentos, pagar internet, melhorar as internet, comprar equipamentos de iluminação, aplicativos para editar vídeos, comprar celulares, equipamentos. Isso com recursos próprios. Além do mais, o seu momento de descanso praticamente não existe porque os alunos dão devolutivas em qualquer hora do dia, durante o final de semana. Então tem sido muito desgastante o trabalho remoto. Se você conversar com os professore você vai ver que a maioria dos professores, dos trabalhadores em educação gostaria de estar trabalhando de maneira presencial, mas também é quase unânime de que os professores estão com medo, estão assustados. A gente tem mais de 100 trabalhadores da educação que faleceram por causa dessa pandemia e não se tem relação de aprendizagem em clima de tensão e medo.
PRN – E como o SINTE tem se posicionado juridicamente em relação a essa questão?
RA – O SINTE já ajuizou uma ação pedindo para que o sindicato seja parte como terceiro interessado na ação que foi ajuizada pelo MP. Então o SINTE vai fazer a defesa da necessidade de continuarmos com as aulas remotas até que tínhamos professores e profissionais em educação vacinados e tenhamos as condições sanitárias melhores, porque não dá para imaginar que o pico da pandemia possamos voltar as aulas nessas condições.
Então, esse negacionismo é óbvio que está gerando essa catástrofe aqui no Brasil e esse negacionismo tem nome, tem cara, é o governo de Jair Bolsonaro, que é o responsável por tudo isso que está acontecendo no país.
PRN – Como líder de uma categoria tão importante, como você avalia a o posicionamento do governo federal no enfrentamento à pandemia?
RA – Não é por acaso que as mortes por covid no Brasil hoje correspondem a 30% ou mais das mortes no mundo. Isso não é obra do acaso. Isso é fruto de um governo que é conhecido mundialmente por negar a pandemia, por dar mau exemplo, por estimular a população a não cumprir protocolos. O próprio presidente por muitas vezes promoveu aglomerações, não usou máscara, fez pouco caso da vacina, e tem toda uma narrativa no sentido de fazer com que as pessoas saiam do isolamento social e desrespeitem as normas preconizadas pela OMS, pela ciência. Então, esse negacionismo é óbvio que está gerando essa catástrofe aqui no Brasil e esse negacionismo tem nome, tem cara, é o governo de Jair Bolsonaro, que é o responsável por tudo isso que está acontecendo no país.
PRN – Não são poucas as evidências que apontam para a responsabilidade do presidente Bolsonaro em reação ao agravamento da pandemia. Mesmo assim, ele não é sequer importunado. As instituições estão “amarradas”?
RA – De fato a gente vê o presidente indo na contramão, criando um clima de tensão o tempo todo, com os governadores, com os prefeitos, com o STF (Supremo Tribunal Federal), com a sociedade, com a ciência, e isso sem dúvida gera uma situação que está levando o país à catástrofe. E a grande pergunta: e porque é que esse governo não é incomodado? Felizmente algumas atitudes que o governo Bolsonaro queria – o que certamente teria provocado uma catástrofe ainda maior – foram barradas pelo STF, na questão das medidas dos decretos serem de responsabilidade dos prefeitos e governadores. Porém, o STF em nenhum momento proibiu o Governo Federal de ser o articulador, de ser a instância que mobilizasse a sociedade para que a gente pudesse enfrentar, de forma adequada essa pandemia, como acontece no resto do mundo. O governo Bolsonaro é responsável por isso a sociedade tem reagido na medida do possível, mas nós temos um governo que usa métodos repetitivos, de erros, de fazer com que uma parte da sociedade a ficar contra as instituições. Num momento de pandemia, de fato é mais difícil se mobilizar, mobilizar a sociedade, para enfrentar um governo negacionista, um governo com essas características, mas a sociedade tem reagido na medida do possível e eu não tenho dúvida que assim que as condições sanitárias melhorarem a população vai sim se rebelar porque é uma tragédia. Nós estamos vendo pessoas morrendo, milhões de pessoas desempregadas, inflação descontrolada e certamente essa população vai reagir e vai se voltar contra esse governo e quem sabe inclusive criar as condições para derrubar esse governo antes do tempo previsto para terminar esse mandato.
PRN – Há membros do Congresso que avaliam que não há clima para impeachment porque as pessoas não estão nas ruas. Quem fala assim esquece que estamos no meio de uma grave crise sanitária?
RA – Para se ter um impeachment é preciso ter crimes e já existem mais de 100 pedidos de impeachment no Congresso, mas é preciso também ter as condições políticas. Se não temos hoje isso é muito em função da pandemia, mas essas condições certamente estão sendo criadas e a população vai reagir, vai se contrapor a todo esse desastre sanitário, econômico e político que está acontecendo no Brasil. Inclusive o governo a cada dia diminui a sua popularidade, sua base de apoio, mas ainda tem um apoio muito forte no Congresso, ninguém sabe a preço de que, mas tem uma base forte no Congresso. Porém o apoio de deputados e senadores é muito condicionado ao apoio da população. Quando eles perceberem – e já devem estar percebendo – que a grande maioria da população já não apoia esse governo, certamente eles vão deixar o presidente e certamente vamos ter as condições sim para ter o impeachment. Mas para isso é preciso a sociedade se mobilizar. Essa mobilização não virá de banqueiros, não virá da elite. Essa mobilização e esse impulsionamento para que se tenha as condições políticas vão vir da mobilização e da organização da classe trabalhadora e dos desempregados, enfim dos que estão aí numa situação de sofrimento. Então acho que podemos ter sim, esse ano ou no próximo, o impeachment do presidente Bolsonaro.
PRN – Suas observações finais.
RA – Queremos reafirmar que o SINTE está fazendo o seu papel, que é defender a categoria, defender os filiados, que é defender a educação pública porque nós só teremos educação pública se nós tivermos estudantes e trabalhadores em educação vivos. A defesa primeira de qualquer entidade u de qualquer pessoa é a defesa da vida. A vida em primeiro lugar. A vida é o bem maior de qualquer civilização. Para termos educação é preciso ter um ambiente adequado, condições sanitárias adequadas, e profissionais vacinados, então vamos insistir em vacinação da classe trabalhadora e de toda a sociedade. E também vamos continuar defendendo uma educação pública e de qualidade, mas num ambiente adequado e com as condições adequadas.