Minha opinião

Como será o amanhã?

Tive a oportunidade de assistir no último dia 5/5, um debate promovido pelo Instituo Lula que contou com a participação do ex-presidente Lula – coordenando – e os ex-ministros da Saúde, senador Humberto Costa, deputado federal Alexandre Padilha, José Gomes Temporão e Arthur Chioro. Dentre os assuntos discutidos darei ênfase aos desafios do Brasil durante e depois da pandemia. Gostei da iniciativa do Instituto Lula em reunir quatro ex-ministros da Saúde num momento tão difícil. Ouvir as experiências de cada um e o que pensam sobre a situação vigente.

Vamos ao ponto que me proponho a opinar que são os desafios do Brasil pós pandemia. Muitos “futurólogos” estão prevendo o Brasil e o mundo depois da pandemia, alguns até se arriscam a afirmar que nascerá um mundo melhor, mais solidário, “mais humano”. Tenho dificuldade de entender o que seria um “mundo mais humano”. Pois, se em cada momento difícil da humanidade tivesse surgido um “mundo mais humano”, viveríamos hoje num paraíso, citamos apenas dois exemplos, o pós Peste Negra e o pós Gripe Espanhola. Que mundos nasceram?

O capitalismo voraz é incapaz de humanizar ou solidarizar o mundo, a burguesia fétida é incapaz de proporcionar um mundo melhor para todo(a)s, então como esperar ou profetizar um mundo mais solidário ou mais humano depois da pandemia.

Na ocasião do debate foi perguntado ao ex-ministro e atual deputado federal Alexandre Padilha sobre a volta à normalidade no momento que a pandemia está crescendo. Quais as garantias que a população teria? A reflexão feita pelo deputado me chamou atenção e, por isso minha colocação no parágrafo anterior sobre a conduta da burguesia. Destaco a fala do deputado sobre a posição dos empresários que defendem o retorno à normalidade, afirmando que os mesmos “falam em voltar, mas não andam de metrô ou ônibus e ainda saem nas passeatas dentro de seus carros com máscaras”.

“Não há retorno do normal”. A afirmativa do deputado merece uma boa reflexão sobre que futuro será esse apregoado por muitos. O normal para a classe trabalhadora é andar de ônibus e metrôs lotados, é ser explorado diariamente pelo patrão, é ganhar salário mínimo – e com as novas leis trabalhistas, nem isso -, é ter que reproduzir o discurso produtivista e empreendedor, na ilusão de se tornar patrão um dia, é não ter uma escola de qualidade para seus filhos poderem concorrer com os filhos dos patrões, é não ter direito sequer a um sistema de saúde público de qualidade, já que não pode desfrutar da estrutura privada. Aqui são alguns exemplos do que é o normal para a classe trabalhadora.

O retorno ao normal defendido pela burguesia é exatamente isso, voltar ao que sempre foi, pois o isolamento social retira o trabalhador do setor produtivo não essencial, e do comércio varejista não essencial o consumidor final, que é o mesmo trabalhador. Não importa se o custo do retorno seja o aumento da contaminação seguida do aumento de óbitos, haja vista que mão-de-obra barata e disponível nunca faltará aos donos do poder.

Como afirma Cazuza, “a burguesia não repara na dor da vendedora de chicletes, a burguesia só olha para si”.

Ainda seguindo na linha de raciocínio do deputado federal Alexandre Padilha, que afirma que o “normal” pós pandemia teria que passar por um princípio lógico de “proteger as pessoas”. Para o novo “normal” a sociedade capitalista teria que mudar sua forma de existência e o Estado burguês romper com o modelo vigente.

Como disse o ex-ministro Arthur Chioro, “a crise coloca em xeque a defesa do Estado mínimo”. Segundo ele, “o país sairá da crise reafirmando a importância do SUS e da presença do Estado”. Outro ex-ministro, José Carlos Temporão, reforçou o pensamento de Chioro quando questionado sobre o papel do Estado. Para ele “o Estado sempre à frente do desenvolvimento nacional”.

Recorro às falas acima para mostrar que o “mundo mais humano” e mais solidário, apregoado por muitos, passa radicalmente por no mínimo uma reforma do Estado burguês, já que não acredito mais numa revolução proletária nos moldes defendido pelos setores de esquerda mais radicais no Brasil ou em qualquer parte do mundo – espero que esteja enganado.

Se o retorno ao normal ou a um “novo normal” implicará em reforma do Estado burguês, para quem sabe chegarmos a esse “mundo mais humano” e solidário, o deputado Alexandre Padilha deu o mote, que não é segredo para ninguém, pois está na cartilha da classe política e é reproduzido a cada dois anos: educação, saúde, mobilidade urbana, saneamento básico, e por ai vai. Mesmo assim é válido comentar a fala do deputado, pois o que ele apresentou já vem sendo defendido pelos sindicatos das classes trabalhadoras e movimentos sociais à décadas e não precisaria de uma pandemia para a defesa intransigente de tais políticas.

Se a preocupação para o futuro será “proteger pessoas”, teremos que evitar aglomerações para atingirmos tal êxito. Como ficarão as salas de aulas nesse “mundo mais humano” e solidário? Continuarão superlotadas? E a estrutura para docentes e técnicos? O Estado e os empresários da educação estarão dispostos a reduzir o número de aluno(a)s por sala e melhorar as estruturas de trabalho para docentes e técnicos?

Com relação à saúde, ao invés do desfinanciamento do SUS, ampliada desde o governo Temer e aprofundado no governo Bolsonaro, teremos ampliação dos investimentos e melhora nos atendimentos nos hospitais públicos com ampliação de UTI`s, centros cirúrgicos, leitos de enfermarias, SAMU, fim das filas para atendimento ambulatorial, emergencial, urgências, etc.? ou o Estado continuará dando prioridade ao setor privado?

E como ficará a mobilidade urbana? O Estado garantirá o eficaz funcionamento do transporte coletivo, acabando com as lotações, que gera aglomerações? Acabando com a necessidade do trabalhador sair de madrugada de suas casas para não perder o metrô ou ônibus para evitar chegar atrasado no trabalho? O empresário garantirá a estrutura de conforto e comodidade aos passageiros, evitando assim as aglomerações?

E por último, mas não menos importante, o saneamento básico se tornará uma realidade para a maioria dos brasileiros? É possível acreditar que a classe política irá de fato lutar pelo saneamento básico em todos os municípios de forma a beneficiar todas as famílias?

É possível acreditar que a burguesia, ávida por lucros, irá compactuar com a classe trabalhadora no intuito de construir um “mundo mais humano” e solidário por conta de uma pandemia quando ainda no auge de disseminação do coronavírus ela defende o fim do isolamento e o retorno das atividades econômicas, demonstrando pouca preocupação com saúde da classe trabalhadora?

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